ES-PÍ-RI-TO-NA-TA-LI-NO
Coluna: SEGUIMENTOS - por: Antonio Trotta - Jornalista, Escritor e Poeta - 25 de dezembro de 2024
Era uma vez um menino. Desses que gosta de brincar, jogar, correr, sorrir e viver sonhos natalinos. Desses de deixar todo mundo de cabelo em pé, queixo caído e coração em brasa.
Sua primeira peripécia foi nascer de uma virgem. Como fez isto? Fácil. Dizem que ele, havia muito tempo, já habitava no coração da mãe e que, numa dessas de olhar o mundo com os próprios olhos, resolveu transformar-se de afeto em feto e sair de lá como ninguém. Concedido e concebido de dentro para fora.
Por ser um menino diferente, mas muito parecido com a gente, foi muito anunciado. Fizeram tanta propaganda que, se fosse brinquedo em lançamento, teria esgotado das lojas no mesmo dia. Aliás, parece que, por causa dele, muitos parecidos com ele desapareceram. Graças a Deus, o guri conseguiu fugir. Que “sorte” havia nele!
Em compensação, no nascimento, não deu trabalho de parto, deu trabalho de quarto. Não havia lugar para gerir aquela gestação toda e, muito menos, para gerar a criança. Nasceu entre os bichos. Por certo, é por isso que toda criança gosta demais de animais. Quando abriu os olhinhos, estavam todos lá, sem distinção e preconceito. Além do pai, da mãe, de alguns pastores de ovelhas e dos três visitantes achados por uma estrela, o ambiente se completava com o reino da bicharada. Eta menino danado para gostar de fera! As bravas ele amansava e, com as mansas, brincava.
Como se não bastasse, havia um cara que viveu muito antes dele. Se era parente, não sei, mas se parecia com ele e vivia falando também de bichos. Era um tipo esquisito, que propagava um mundo animal às avessas do nosso, onde se misturavam os bichos todos, inclusive o bicho homem. O sujeito afirmava que, de uma jovem, nasceria um menino e viveria conosco; com a gente e os bichos, se preferir. Até aqui, nenhuma surpresa. Afinal, crianças nascem todos os dias, se socializam e se relacionam, até mesmo com seus bichinhos de pelúcia e de estimação. Mas o sujeito anunciava, como se fosse uma boa, uma nova sociedade de ideal utópico alicerçada na justiça, produzindo paz e harmonia.
Como se pudéssemos viver, numa espécie de estrebaria, o espírito natalino do menino, na mais tenra estripulia: “O lobo será hóspede do cordeiro, a pantera se deitará ao lado do cabrito; o bezerro e o leãozinho pastarão juntos, e um menino os guiará; pastarão juntos o urso e a vaca, e suas crias ficarão deitadas lado a lado, e o leão comerá capim como o boi. O bebê brincará no buraco da cobra venenosa, a criancinha enfiará a mão no esconderijo da serpente” (Is. 11,6-8).
Que mãe desnaturada permitiria tal brincadeira, tal intimidade, tal proximidade? A mãe natural do menino experimentou o verdadeiro espírito natalino. Ela se convencera de que seu menino não viera ser um guia de passeio no zoológico, nem tão pouco ver os bichos e todos os seres através de uma redoma de vidro, por mais transparente e interessante que ela fosse.
Um dia, o menino sumiu. Procuraram-no por toda parte. Acabou por dar um belo susto na mãe; pois, ao procurá-lo, não o encontrava. Só que, dessa vez, ele não estava fugindo e, muito menos, se escondendo. Ele estava procurando não só o seu Pai, mas as coisas do Pai. Foi um achado encontrá-lo. Já não estava mais entre os animais, mas, sim, junto de homens que, infelizmente, não eram nem mansos, nem humildes de coração. Ao retornar com a sua mãe para a casa, preferiu guardar silêncio e “crescer em sabedoria, em estatura e graça diante de Deus, dos homens” e de toda natureza.
O Natal é a história desse menino que continua amando as crianças que amam também os animais e que estão prontas para viverem num reino que pertence a elas e que será comandado pelo divino es-pí-ri-to-na-ta-li-no desse menino que tanto se deu.
Antonio Trotta – Jornalista, escritor e poeta
Parabéns pelo belo texto, poeta!
E que assim se espalhe o Espírito de Natal, que sabe acolher e amar, sem distinção.
Grato pelas suas palavras. Realmente Natal é uma grande lição.
Eis a verdadeira essência do espírito natalino…uma releitura poética e simbólica da história do nascimento de Jesus Cristo. Lindas metáforas, humor e referências bíblicas destacando o valor da simplicidade, da convivência harmoniosa entre os seres humanos e a natureza, e da pureza do coração infantil…. Maravilhoso texto… mil aplausos
Cara Simone, suas palavras nos faz pensar no quanto podemos viver essa utopia. Grsto.
Muito propício. Um texto na medida! Parabéns, Trotta.
Grato. A ocasião pede e um novo olhar nos chama a outros movimentos.