REFLEXÕES JURÍDICAS E MORAIS: A NÃO DIVULGAÇÃO DA IDENTIDADE DE INFECTADOS PELO COVID-19
Como fora noticiado aqui no Tribuna Sul de Minas, na segunda-feira (11/04/2020), Diogo Curi, prefeito de Caxambu/MG, realizou uma transmissão ao vivo em sua página no facebook informando que, infelizmente, o novo coronavírus fizera sua primeira vítima na cidade. Na oportunidade, a autoridade deixou claro que, por questões legais, não divulgaria a identidade da pessoa falecida, assim como não faria com as dos habitantes infectados.
A não divulgação dos nomes das pessoas enfermas fez com que os caxambuenses, imediatamente teorizassem acerca da identidade das mesmas. Tal especulação foi tão alimentada que virou uma verdadeira “bola de neve”, ao ponto de ser divulgado um áudio de whatsapp, que supostamente provava que uma determinada família seria a “culpada por trazer o vírus à municipalidade”. Boato este que bastou para se justificar até mesmo boicote a estabelecimentos de propriedade de membros da família em questão, que, diga-se de passagem, está enlutada.
Talvez por ter sido o responsável pela matéria, alguns dos leitores do Tribuna Sul de Minas me contactaram a fim de saber se não haveria uma “brecha na lei” que permitisse que a administração pública informasse os nomes dos infectados, uma vez que, em tese, saber a real identidade das pessoas infectadas possibilitaria que a população evitasse o contato as mesmas. Fato este que me deixou a obrigação moral de prestar alguns esclarecimentos acerca da situação. Vejamos:
De antemão, importante esclarecer à população que, por respeito à Constituição Federal de 1988, a Prefeitura não poderia ter tomado outra medida senão a de não divulgar os nomes das pessoas infectadas. Pois, o Poder Público está obrigado a respeitar o princípio da legalidade, que, em síntese, obriga que a administração pública somente possa agir nos termos explícitos na lei. Por isso, acredito que a decisão do Executivo Municipal tenha sido fundamentada no artigo 13º da portaria de número 356/2020 do Ministério da Saúde e no artigo 5º, parágrafo 2º e da lei nº 23631/2020 do Estado de Minas Gerais, que dispõem respectivamente:
“Art. 13º. O Ministério da Saúde manterá dados públicos e atualizados sobre os casos confirmados, suspeitos e em investigação, relativos à situação de emergência pública sanitária, resguardando o direito ao sigilo das informações pessoais.”
“Art. 5. §2º – O órgão estadual competente manterá públicos e atualizados os dados sobre os óbitos confirmados e sobre os casos, confirmados, suspeitos e em investigação, de contaminação pelo coronavírus causador da Covid-19, resguardado o direito ao sigilo das informações pessoais.”
Pode-se dizer que o objetivo das várias normativas de conteúdo similar aos dos artigos supracitados é o de respeitar o direito fundamental da inviolabilidade à intimidade, previsto no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal (no texto denominado “Coronavírus X Constituição” está explicado a importância dos chamados direitos fundamentais). Assim sendo, tudo me leva a crer que a única possibilidade de fazer com que o Poder Executivo Municipal divulgue oficialmente as identidades das pessoas enfermas, seria obter uma determinação judicial para tanto.
Esclarecidas as questões jurídicas, há de se registrar que muitos caxambuenses agiram de forma desnecessariamente preconceituosa em relação as primeiras vítimas do vírus chinês à cidade. Muito similar ao comportamento apresentado pela população europeia no início da epidemia da peste negra (1346 – 1353), quando as primeira pessoas infectadas pela doença sofreram com uma exclusão social tão grande, que podia chegar ao ponto de levarem à condenação de morte na fogueira por “terem sido as pecadoras responsáveis por levarem a peste até os bons cristãos”.
Diante das mencionadas atitudes deploráveis, deixo claro que julgo o comportamento apresentado por parte da população como inaceitável. Afinal de contas, devemo-nos considerar que o fato de as pessoas terem sido, ou não negligentes seja indiferente, vez que, independentemente disso, todas os infectados pelo novo coronavírus são inocentes, e, portanto, merecedores de receber a compaixão humana.
Enfim, a verdade é que talvez os ensinamentos de Freud sejam capazes de justificar o comportamento mesquinho de parcela dos caxambuenses de forma a legitimá-lo, eu contudo, não posso.
Matheus Alcântara – Bacharel em Direito