OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO
Academia Caxambuense de Letras
“Olhai os Lírios do Campo”
por: Renata Lins – Acadêmica Correspondente
Não dá pra escolher um autor favorito, e não vou. Porque ia ser uma mentira grande demais pra alguém que mergulhou no caldeirão dos livros tão pequenininha, e de lá saiu transformada pra sempre. E que nunca perdeu o encantamento – como vejo acontecer com alguns “adultos” – pelas histórias inventadas, contadas, desfiadas, apresentadas. Foi história, é comigo mesmo. Pode ir sentando, pode ir dizendo: encontrará um ouvido pronto, um olhar atento, e se, a história cair no agrado, pode me perguntar daqui a cinco, dez, quinze anos: vou lá no arquivo onde ficou guardada, dou uma espanada nela e… entrego de volta. Talvez meio parafraseada, vai; mas você vai reconhecer.
E, enquanto escrevo, vou tomando a decisão. De um favorito, que não é “o”, mas é “um”. Três, dois, um… partiu.
“Olhai os Lírios do Campo”. Érico Veríssimo. Eu com onze anos. E o local era Skyros, uma ilha grega no arquipélago das Sporades. (escrevo isso e fico pensando que quem me lê vai ficar com imagens de luxo e riqueza. E não, galera, não. A gente morava na Europa, e a Grécia, nesse esquema de ir de carro, ferry, ilha menos famosa e ficar em casa de gente, era sinônimo de férias de verão baratas. Daqui não dá pra ver, mas era.).
Então. Skyros, eu com onze e já no início da adolescência. Com todas as dores. Com toda a angústia. Aí vem minha mãe, que às vezes não tem senso de proporções, e acha que já é apropriado me dar esse.
Viajo na lembrança e sinto de novo. Susto, translumbramento, espanto, encanto. Tudo.
Tudo isso na história de Eugênio e Olívia contada em dois tempos: o tempo-presente em que Eugênio no carro vai ao encontro da amante que está a morrer de parto; e o tempo-passado da memória de Eugênio, da criança Genoca no colégio interno, do pai do qual ele tinha vergonha, do furo nas calças… do irmão com quem brigava. A faculdade de medicina, a vontade de vencer na vida. E Olívia, o amor da vida. Deixado de lado pela grana do pai de Eunice. Me lembro bem de perguntar a minha mãe – lendo – “quem é Freud?”, e da gargalhada que ela deu: “É Fróide”, e da vergonha confusa que eu senti, como tantas vezes, por não saber.
Amante, Freud, ganância, escolhas, fidelidade, morte no parto. Bíblia. Com onze anos. Era meio muito pra absorver, deitada no sol, nos seixos das praias da ilha de Skyros.
P.S. Me alertaram que Olívia não morreu de parto. Vou checar, e o alerta procede: ela morreu depois, e talvez de parto tenha sido a moça que o Érico Veríssimo viu no hospital. Ou nenhuma das duas, e eu tenha inventado essa parte. Mas o relato fica como botei, porque, como diz o Ondjaki citando Chicó: “não sei, só sei que foi assim”.
Academia Caxambuense de Letras – novembro de 2024