Acadêmicos da Academia Caxambuense de Letras utilizando o famoso conto de Machado de Assis, que motivou contar a experiência pessoal de cada um, com alguma ficção, tem por fim desejar a todos nestes anos atribulados da pandemia um momento de leitura com o tema natal e alguma felicidade que, quem sabe, possa vir em breve.
Missa do Galo
Lembro-me da época de minha infância, quando chegava o natal, sorrisos, abraços e alegria, envolvia o ambiente e o mês natalino. Meu avô, como bom anfitrião, preparava uma ceia farta, que não era para a noite de natal, e sim, um almoço para o dia seguinte, pois a noite era dos mais velhos.
O almoço era sempre acompanhado com amigo oculto, outra delícia de se viver, onde o amigo não era tão oculto, pois revelávamos aos nossos pais, quem era nosso amigo para que eles comprassem o presente a dar ao amigo, que nem sempre era nosso amigo, propriamente dito, porém, poderiam ser nossos próprios irmãos, ou para deixar ainda mais confuso a mente de uma criança, poderiam ser nossos pais. Neste caso como seria oculto, se tínhamos que revelar a eles, qual era o nome do nosso amigo oculto, que geralmente tirávamos em uma cumbuca, em um papelzinho amassado.
No meu caso, que ainda não sabia ler, não tinha escolha, mesmo assim guardava o segredo do nome de meu amigo, mesmo podendo ser ele o meu maior exemplo de pessoa, meu pai, ou meu avô.
Ah! Mês natalino, que retinha segredos e comemorações de fé.
Lembro ainda do dia de natal, que meus pais logo cedo falam que ao cair da noite, iriam na missa do galo, missa essa que várias vezes eu pedia para ir, porém minha mãe falava que eu não podia, pois tinha que esperar naquela noite, a visita do papai Noel, que deixaria aos pés da cama, o presente por ter sido uma boa criança durante o ano inteiro.
Mesmo assim eu insistia.
– Pai deixa eu ir com o senhor na missa do Galo?
Ele sempre sóbrio e com um olhar expressivo, pedia para eu ir dormir, pois quando fosse mais velho, ele me levaria a missa do galo.
Só de pensar em ir à missa com meu pai, eu ficava radiante, mas confesso, na minha inocência de criança, eu queria mesmo era conhecer esse animal tão importante que tinha uma missa só para ele, como seria esse galo?
Os anos passavam, e um natal vinha após o outro, assim me lembro, até o dia que meu pai me chamou.
– Filho, sempre você quis ir na missa do galo comigo, então você pode dormir um pouco, que antes da meia noite eu te chamo para ir à missa comigo.
Palavras mágicas, que me encheram de alegria, não só pelo fato da possibilidade de desvendar o mistério que há anos me rodeava, mas, também por ter a certeza que eu estava virando homenzinho e iria à missa, com aquele homem que sempre era um exemplo para mim, porém, não éramos de confessar nossos sentimentos, mas sabíamos que nos amávamos a nossa forma.
A noite foi caindo, porém quem falou que eu conseguia dormir? Acabei de jantar e já tinha me vestido com a roupa de missa, roupa essa que usávamos apenas para irmos à igreja, e logo que voltávamos para a casa, guardávamos a roupa para a próxima missa. Lembro que naquela noite em especial, eu vestia uma calça jeans, que ainda tinha o cheiro da fábrica, e uma camisa de botões, de cor amarela. Meu pai por sua vez, no linho do social, sempre muito elegante.
Ao aproximar meia noite meu pai me pegou pelas mãos e fomos a igreja; eu estava me sentindo todo importante, ao chegar na missa ficamos à frente da imagem do Nosso Senhor dos Passos, imagem essa que eu pouco olhava, pois tinha medo. Meu pai por sua vez, em suas orações, ajoelhava, com um de seus joelhos apoiado ao chão, e a outra perna dobrada à frente, pela qual seu joelho servia de apoio ao cotovelo de seu braço direito, que em concentração de fé e oração, sua mão apoiava sua cabeça. Ali pai e filho ajoelhados a mesma maneira, talvez fôssemos os únicos que ajoelhava dessa forma em toda igreja. Entre o murmura da oração, eu abria meus olhos, para verificar se havia outros que ajoelhavam dessa forma, porém toda igreja estava prostrada sobre os dois joelhos.
Porém a minha curiosidade era maior que a concentração da fé, eu ainda queria conhecer o Galo famoso, que todos homenageavam com a única missa noturna. Minha alegria era maior que minha decepção, pois naquela noite, eu sai da igreja sem ter a minha curiosidade revelada.
No caminho de nossa casa, revelei ao meu pai minha curiosidade, e vi seu olhar brilhar, e um leve sorriso sair daquele rosto sério, e logo ele começou a revelar a minha curiosidade.
– Filho, a missa do galo, não é para um animal, a expressão “Missa do Galo” é específica da lenda ancestral, segundo a qual à meia-noite do dia 24 de dezembro um galo teria cantado fortemente, como nunca ouvido de outro animal semelhante, anunciando a vinda do Messias, filho de Deus vivo, Jesus Cristo, essa lenta vem dos países latinos, por isso o nome.
Ouvi com maior atenção aquele que estava ao meu lado.
A noite mágica, que ao amanhecer se transformava pela criançada nas ruas na algazarra de suas gargalhadas e confraternizando seus presentes, e eu? Sabia que o almoço seria com meus avos, primos e tios, redescobrindo o amigo oculto, nem tanto oculto assim.