Cultura e Lazer

CRÔNICA: Do Touro de Ouro à Vaca Magra

Kerley Carvalhedo

Do Touro de Ouro à Vaca Magra

No mês passado, em frente à bolsa de valores no centro histórico de São Paulo, uma escultura chamada “Touro de Ouro” foi inaugurada, inspirada no Touro de Wall Street, que fica localizado no centro financeiro de Nova York. O Touro de Ouro versão brasileira, foi construído de material de altíssima qualidade, e pintura anticorrosiva, tinha em média cinco metros de comprimento e três de altura. Era um touro ostentoso, imponente.

Apesar da belíssima obra, a empresa responsável pela implantação do “Touro de Ouro”, foi multada por falta de autorização para implantá-lo ali. Por se tratar de uma pomposa criação, o Touro precisou ser removido por cabos de aço. Segundo Gilson Finkelsztain, CEO da B3 “O Touro de Ouro representa a força e a resiliência do povo brasileiro”.

Na semana passada, outra escultura foi instalada em frente ao prédio da Bolsa de Valores, na rua 15 de Novembro. Dessa vez, o Touro de Ouro deu lugar à escultura de uma “Vaca Magra” amarela, da artista plástica cearense Márcia Pinheiro, em parceria com o produtor e ativista Rafael Rasmoke. A escultura era em protesto contra à fome e a desigualdade social no país. Porém, diferente do suntuoso “Touro de Ouro”, a vaca anoréxica não demorou muito para ser retirada do espaço.

Apesar da ‘vaca magra’ ser uma crítica direta ao ‘Touro do Ouro’ ela melhor representa este momento da atual situação do Brasil na economia. A Vaca Amarela (cor da fome), anêmica e anoréxica, era tão magra que o ativista pode levá-la debaixo do próprio braço, às pressas, sem esforço, assim como o brasileiro, que volta do mercado com sua miserável cesta básica.Somos um país de riquezas múltiplas, somos filhos da grandeza – fortes, imponentes como o “Touro de Ouro”, mas neste cenário atual estamos exauridos como a triste “vaca magra”.

Outro dia, fiquei estarrecido ao ver numa reportagem onde açougues de Cuiabá estavam doando ossos para as comunidades carentes que não tinha o que comer. Quem não pode comprar carne, recorre aos cortes antes desprezados pela maioria. A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), registrou o menor nível de consumo de carne bovina no país em 26 anos. E foi assim que a carne vermelha sumiu do prato dos brasileiros mais pobres.

Últimos dados apontam que, de cada três crianças brasileiras, uma apresenta um quadro chamado anemia ferropriva. As crianças com deficiência de ferro sofrem alterações no desenvolvimento do cérebro que, mais tarde, manifestam problemas que repercutem pela vida toda e são irreversíveis.

A pandemia do coronavírus teve um efeito devastador na falta de alimento na mesa do brasileiro. O aumento de brasileiros passando fome voltou a aterrorizar. No país, a fome atingiu milhões de pessoas. Temos que nos equilibrar numa linha tênue, tendo que conviver diariamente com o medo. Medo das perdas, medo do caos político e financeiro que se instalou entre nós outra vez, medo do fantasma da fome e da morte.

De acordo com estudo do grupo de pesquisas Food for Justice: Power, Politics, and Food Inequalities in a Bioeconomy combate à pobreza, desigualdade e injustiça social — o Brasil está entre os países emergentes de fome no mundo, ao lado da África do Sul e da Índia.

Há muito já presenciava a mesma miséria a escritora Carolina Maria de Jesus, em Quarto de Despejo (1960): “A tontura da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estomago”.
Tenho a esperança que saudavelmente a “Vaca Magra” volte a ganhar peso.

Kerley Carvalhedo é cronista e escritor. É membro correspondente da Academia Caxambuense de Letras. Começou sua carreira no jornalismo em 2011 no jornal ‘DiárioRS’. É autor de livros, entre eles o livro de crônicas “K Entre Nós” sua obra mais conhecida.

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