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CORONAVÍRUS X CONSTITUIÇÃO

Muito embora a Constituição de um país seja exatamente o que, em regra, impede que a sociedade civil sofra com algum tipo de tirania estatal, ainda existem exemplos, tanto no presente quanto no passado em que as Constituições serviram como mais uma ferramenta para os governos subjugarem seu respectivo povo. No Brasil, atualmente vigora a Constituição promulgada no dia 5 de outubro de 1988, que, por ter sido elaborada posteriormente a um período ditatorial, tem como um dos objetivos maiores assegurar o direito à liberdade dos indivíduos, conforme previsto num dos seus mais famosos dispositivos, o artigo 5º, onde se encontram a maior parte dos direitos fundamentais.

Apesar de acreditar que muitos brasileiros já tenham tido a oportunidade de ao menos escutar termos como: “direitos” ou “garantias” fundamentais, também acredito que muitos de nossos compatriotas jamais tenham tido a oportunidade de serem informados de como tais expressões influenciam diretamente em suas vidas. Por isso, vejo-me na obrigação de deixar registrado que os direitos fundamentais têm como objetivo principal, numa democracia (do grego demos, “povo” e kratia, “poder”, “autoridade”), assegurar que o poder do povo não seja utilizado contra ele mesmo; de forma técnica, poderíamos resumir as palavras explicadas por Jose Afonso da Silva, um dos mais respeitados doutrinadores do direito constitucional, para dizer que os direitos fundamentais são uma limitação que a soberania popular impõe aos seus representantes. Ou seja, são as armas mais poderosas que os cidadãos possuem para se prevenirem de uma possível ditadura.

Com a vinda do Novo Coronavírus ao país, muitos governadores e prefeitos Brasil a fora se viram obrigados a tomar certas medidas visando o isolamento social e consequente diminuição da disseminação da doença em seus respectivos Estados e cidades. Ocorre que, para uma parcela dos juristas, medidas como a decretação de toque de recolher e multas exorbitantes aplicáveis aos cidadãos que não cumprirem com o isolamento social, foram radicais a ponto de diminuírem o direito de liberdade do cidadão e que, por isso, os governantes que adotaram precauções como as mencionadas, feriram gravemente o direito à liberdade de ir e vir, um dos direitos garantidos no artigo 5º da Constituição Federal.

Em contrapartida, outra vertente dos juristas entende que, pelo fato da situação se tratar de uma colisão de direitos fundamentais, no caso, o da saúde Pública e o da liberdade de ir e vir, deve-se levar em conta que, o direito como um todo, é dividido entre individual e coletivo, sendo que, a regra, em casos de confrontos de diretos, é preferir os coletivos aos individuais, bem como que, por ter sido, o direito, elaborado em situações normais, seria justificável que, em casos excepcionais, de calamidade, guerras e outras que o Estado tenha a opção de diminuir os direitos individuais para assegurar o cumprimento do direito coletivo. Tal fenômeno é classificado pelo, também ministro, Alexandre de Morais como relatividade dos direitos e garantias individuais e coletivas.

Recentemente, para insatisfação dos que defendem a primeira vertente, em entrevista concedida ao portal globo, o Ministro Luiz Fux se posicionou no sentido de entender que, por se tratar de uma ocasião atípica, o direito deverá ser aplicado da mesma forma; enquanto que o Ministro Marco Aurélio de Melo afirmou que, apesar de ser necessário preferir o direito coletivo em detrimento do individual, deve-se ponderar acerca da aplicabilidade dos valores constitucionais.

É importante registrar que, no que concerne ao contrapeso de direitos fundamentais, referida pelo Ministro Luiz Fux na entrevista ao Portal Globo, podemos destacar o entendimento do, também Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Morais que, apesar de não ter sido mencionado na entrevista, em sua obra “Direito Constitucional”, classifica o exercício de balancear os direitos fundamentais em uma situação de conflito entre os mesmos como “o princípio da harmonização”, que tem como objetivo, justamente impedir que os direitos individuais sejam diminuídos mais do que se necessitaria de fato para fazer cumprir o direito coletivo.

Contudo, parte da população que, apesar de sua grande maioria ser favorável ao isolamento social também se mostra insatisfeita com algumas destas precauções drásticas. Ou seja, do mesmo modo que pensam os juristas que temem que, de exceção, a relativização dos direitos e garantias individuais possa se tornar regra. O fundamento desta última tese é encontrado nas próprias medidas estatais descabidas que visam combater, haja vista que, perante a simples ameaça da doença, muitos dos políticos exageraram tanto nas precauções, que acabaram, de certa forma, punindo os cidadãos de suas respectivas jurisdições, sob a premissa de que “toda medida é válida perante o coronavírus”, muito singular à “contra a pátria não há direitos”, presente no saguão de elevadores da polícia paulista nos tempos de AI-5.

Sabe-se que ambos os entendimentos possuem argumentos sólidos, haja vista que, se de um lado enfrentamos uma doença que fez parar o mundo todo, também temos que nos preocupar em manter a segurança jurídica do país para que, ao final da crise, seja possível assegurar a retomada do crescimento econômico, ao mesmo tempo em que nenhum direito constitucional seja retirado definitivamente do cidadão. Fato é que, como muito bem sabem os Ministros, é papel do Poder Judiciário, no caso concreto, encontrar o equilíbrio perfeito para caminhar na tênue linha da relativização dos direitos e garantias individuais e dos regimes ditatoriais.

Matheus Alcântara – Bacharel em Direito –

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