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BEIJO ESTALADO

Coluna: SEGUIMENTOS - por: Antonio Trotta - Jornalista, Escritor e Poeta - 15 de janeiro de 2025

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Ao fim do dia do meu aniversário, já quase em repouso, tive a sensação que alguma coisa faltara. Um pequeno barulho me veio à memória, uma espécie de estalo, um beijo mandado a distância preenchera o vazio de um dia tão especial; lembrei-me dos beijos estalados que minha mãe acostumava nos dar tantas quantas vezes nos encontrávamos.

Nos aniversários então, o beijo parecia vir coberto de sentimentos, recheados de ternuras, oferecido como o maior pedaço de satisfação. Beijos estalados como aqueles nunca mais pude sentir ou ouvir – tinha sonoridade e cadência. A sua musicalidade ainda me preenche os ouvidos e a alma, dá sentido ao passado e a esse momento.

Creio que nada a satisfazia mais que um beijo dado por um de seus filhos, que um beijo dado pela mãe. Certeiro. Molhado. Seco. Silencioso. Estalado. Um canal direto com o coração.

Para minha mãe, um beijo era sempre uma oportunidade impar de demonstrar carinho e afeição. Ela sempre nos dava ou cobrava um. O dela era quase sempre estalado, principalmente quando lançado ao vento em direção a um de nós. Nada a desviava do firme propósito da troca de beijos, nada. “E o meu? Cadê o beijo da mãe, eu não vou ganhar?” – reclamava com afeição. Parecia lhe aliviar, dar sentido a vida, dar gosto pelo tempo que nos consome e nos mantêm eternamente, mães e filhos.

Era uma espécie de roleta, catraca que nos fazia girar e ficar do outro lado da alma e dos acontecimentos. O beijo era antes de tudo, depois vinha a dinâmica do dia-a-dia e as turbulência da vida.

Era um beijo na chegada e outro na saída, no meio podia ter acontecido uma tempestade, ela sempre apresentava a bonança, o beijo da paz, da reconciliação.

Além do meu pai e minha mãe, somos cinco homens e uma mulher. Todos se beijam entre si, costume herdado da cultura de meu pai e da ternura de minha mãe. O beijo, talvez seja, a expressão da alma. Um sentimento profundo entre pessoas.

No meu aniversário, o presente que mais desejei e esperei foi um beijo estalado, daqueles que durante toda a minha vida me aqueceram o coração. Ainda sinto a falta do beijo. Com certeza – vou poder ganhar um bem estalado quando pegar no sono – assim, como os milhares que recebi quando criança enquanto dormia.

– Boa noite, mãe!

– Feliz aniversário, filho.

Antonio Trotta – Jornalista, escritor e poeta

 

 

Foto: Danik Prihodko – Istock – Pexels –  Grátis

4 Comentários

  1. Que beleza, amigo Trotta! Quanto sentimento neste belo texto! Minha mãe não era de “ beijos”. Mas, de olhar nos olhos e segurar as duas mãos enquanto falava de coração a coracao . Coisas de mães que nos penetram a alma e nos deixam com lembranças eternas. Viajei tb no seu “ beijo estalado”. Parabens!

  2. Memórias afetivas…Um tributo delicado ao papel das mães e ao amor incondicional que elas oferecem. O amor materno, mesmo quando ausente fisicamente, permanece como uma presença emocional poderosa. Maravilhoso texto

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