Cultura e Lazer

CRÔNICA: APÓS A TEMPESTADE

Kerley Carvalhedo

Do alto da copa da amendoeira, entre os seus robustos galhos, eu ficava a observar ao redor tudo que se passara; por vezes me sentia-me um marinheiro. Comparava o balançar da árvore como as revoltas ondas do mar, contudo, de algum modo, a árvore era uma espécie de farol para mim, de cima conseguia notar quando se aproximava alguma tempestade.

Um dia, quando ainda menino, no finalzinho da tarde, notei quando um temporal se formava no longínquo horizonte, as nuvens densas e escuras anunciavam a chegada de uma violenta tempestade. O tempo, cada vez mais se fechara, os ventos sopravam incessantemente, pareciam o alvoroço de muitas vozes, por vezes uivavam como um lobo nas montanhas.

Uma catástrofe violentamente anunciada. Nada se podia fazer àquela altura, restava-nos apenas fechar as portas e janelas e nos proteger dentro de casa. A forte ventania destelhara quase toda a casa, arrastara objetos pelo quintal derrubando o que tinha pela frente, até minha majestosa amendoeira se foi também naquele anoitecer tempestuoso.

Apesar de impetuosa e imparável, misteriosamente a tempestade passou, fora embora como chuva de verão. A calmaria reinava. Pude ver a lua e as estrelas através do telhado. A frase “Quem perde o telhado ganha as estrelas” nunca fez tanto sentido como fez naquela noite.

A vizinhança fora tomada por um grande silêncio, parecia um daqueles mosteiros eremíticos. Sem eletricidade, era possível escutar o tilintar dos objetos das outras residências, como uma lâmina finíssima, se podia ouvir os pavios das velas queimando noite adentro na nossa casa.

Na manhã seguinte, os vizinhos reuniram-se em frente aos destroços para lamentar suas perdas e discorrer sobre o tormento causado na noite anterior. Nenhuma casa saíra incólume após a tempestade.

Depois disso, nunca mais vi uma tempestade com os mesmos olhos; tenho medo dos estragos que elas são capazes de deixar. O mal tempo é inevitável, e a qualquer momento pode surgir uma nova tempestade, embora, maior e intensa que seja, nenhuma dura por muito tempo. Hoje, minha única preocupação: onde devo me abrigar. O que importa é sobreviver durante e depois do caos.

A tempestade cessou, sobrevivemos, só nos restava assumir os prejuízos causados, calcular as perdas e colocar tudo em ordem.

Kerley Carvalhedo é cronista e escritor. É membro correspondente da Academia Caxambuense de Letras. Começou sua carreira no jornalismo em 2011 no jornal ‘DiárioRS’. É autor de livros, entre eles o livro de crônicas “K Entre Nós” sua obra mais conhecida.

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