A coluna de hoje é com: Carlos Eduardo de Agostini Novaes – Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1940, é advogado, cronista, romancista, contista e dramaturgo brasileiro, filho do oficial da Marinha Attila Rodrigues Novaes e da dona-de-casa Efigenia de Agostini Novaes.
Em 1958, muda-se para Salvador, onde permanece por dez anos. Nesse período cursa direito na Universidade Federal da Bahia e exerce variadas atividades profissionais, como agente rodoviário, e é também dono de dedetizadora e sócio de uma fábrica de sorvete. De volta ao Rio de Janeiro, em 1969, inicia a atividade de cronista no jornal Última Hora. Em 1972, trabalha no Jornal do Brasil – JB, criando prognósticos bem-humorados para a Loteria Esportiva e passando depois a cronista. Assim nasce seu primeiro livro, O Caos Nosso de Cada Dia, uma reunião de crônicas escritas para o JB, publicado em 1974. O trabalho nesse jornal se estende por 13 anos e dá origem à maior parte de seus livros.
No teatro, além de atuar, escrever e dirigir várias peças, é presidente da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais – Sbat e vice-presidente da Federação Internacional de Sociedades de Autores Dramáticos – Fedra. Seus livros abordam, entre outros, temas ligados à política brasileira, ao cotidiano urbano, à vida conjugal e ao universo adolescente, sempre de forma crítica e bem-humorada. É diretor da Casa do Riso, no bairro do Leblon, no Rio de Fevereiro, um teatro dedicado exclusivamente ao humor.
*************************************************************************************
A OUTRA – Carlos Eduardo Novaes
Tudo bem, Maísa não se importava de ser a outra. Por algum tempo, é claro. Alguns jogadores de futebol nascem para ser reserva, algumas mulheres nunca chegam a titular. Maísa tinha esperanças de um dia substituir a esposa no time de Julio.
Esperanças alimentadas pelo próprio Julio que repetia para ela a mesma lengalenga de todos os homens: que o casamento ia mal, que os dois não transavam há anos, que só não separava agora por causa da filha, enfim aquele papo. Por outro lado afagava o ego de Maísa chamando-a de noiva.
Três anos é tempo bastante para estabilizar emoções. A vida de Julio e Maísa, a outra, seguia com a tranquilidade de um pedalinho na Lagoa. Sim, mas havia seus sobressaltos. Todas as “outras” tem um perfil de dirigente sindical: não param de fazer reivindicações. Maísa queria mais de Julio e de vez em quando explodia: “Não aguento mais ficar sempre esperando por você!!”. E concluía com a ameaça clássica das outras: “Agora também vou fazer meus programas!”
As vezes a relação pegava uma turbulência pela cauda por causa de ciúmes. Maísa morria de ciúmes de Sandra. Não raro achava que a outra era a outra e reagia como titular: “O queeee? Você tem coragem de me dizer que vai para um hotel-fazenda com sua própria mulher?”
Evidente que a vida de Julio com Sandra não tinha nada a ver com as descrições dantescas que fazia para Maísa. Ele adorava a mulher e no dia em que tiveram uma crise mais séria, Julio achou que já era hora de botar em ordem sua casa sentimental. Não podia continuar nessa gangorra infernal.
O desenlace teve o peso de uma tragédia grega. Maísa não se conformou com o fim de tudo. Ainda na véspera Julio lhe dissera “você é a razão do meu viver!” Como agora está tudo acabado? Maísa botou a boca no trombone da cobrança, mas Julio estava decidido a recompor sua vida familiar. Despediu-se e correu para os braços de Sandra. É incrível como os maridos se tornam afetuosos quando terminam com a outra.
Maísa nem esperou a poeira baixar. Dois dias depois pegou uma sacola e fazendo-se passar por vendedora da Avon bateu no apartamento de Julio na Selva de Pedra. Julio estava no trabalho e Sandra abriu a porta.
– Boa tarde – disse Maísa – Muito prazer. Sou vendedora dos produtos Avon e…
Antes que Sandra abrisse a boca, a outra deu um passo à frente e declinou sua real qualificação:
– …sou também noiva do seu marido! – e abriu o verbo – Olha o anel que ele me deu. Estamos juntos há três anos e agora ele veio me dizer que está tudo acabado!! Ele não pode fazer isso. Não está certo. Vivia dizendo que eu era a mulher da vida dele..
Sandra estava sem ação, paralisada quando ouviu a chave na porta. Escondeu Maísa na cozinha. Julio entrou com o riso fácil dos inocentes e Sandra nem lhe deu tempo de desmanchar o sorriso.
– Tem uma vendedora da Avon aí querendo lhe ver. Ela diz que é sua noiva!
Maísa entrou na sala. Julio olhou para Maísa. Sandra olhou para Julio. Julio olhou para Sandra e Sandra perguntou o que Julio tinha a dizer? Ora, o que Julio tinha a dizer? Nada além do que sua presença de espirito lhe permitiu dizer:
– O queeee? Noiva? Que conversa é essa? Essa mulher é maluca! Já fez isso com três amigos meus! Tem mania de ser noiva! Tirem ela daqui! – e foi empurrando Maísa, vencida, pela porta afora.
Sandra não engoliu uma única virgula do que lhe dizia Julio mas achou que devia segurar o matrimonio. Julio foi dar explicações à outra. Percebeu as lagrimas de Maísa ao deixar sua casa. Um fim de tarde bateu na porta da outra, no Leme. Maísa recebeu Julio e resolveu mostrar que também tinha presença de espirito:
– Entra. Estou com uma pessoa lá no quarto. Venha!
Quando Julio botou a cara no quarto encontrou Maísa e Sandra na cama.
Se pensam que esta crônica vai terminar como imagina a mente suja de vocês, estão enganados. Sentadas a beira da cama a outra mostrava a Sandra um álbum de fotos.
– Aqui sou eu e seu marido em Manaus. Lembra quando ele disse a você que ia a São Paulo a trabalho?
Julio desmaiou.
Academia Caxambuense de Letras
julho de 2021.