ACADEMIA CAXAMBUENSE DE LETRASCultura e Lazer

ACADEMIA CAXAMBUENSE DE LETRAS

Maria do Carmo Rodrigues

A coluna de hoje é com: Maria do Carmo Rodrigues.

                                                             O Pé de jenipapo

   Jenipapo é uma fruta lisa, brilhante, amarela, de bico, cheirosa, gostosa mas muito azeda!

   Sua árvore é muito alta, tem folha verde escuro e tem pé grossão. Todo ano dá…e dá muito!

   Tem no pasto, lá em casa! Minha mãe faz licor todo ano!

Quando criança, assim era a minha descrição de um pé de jenipapo. Ficava afoita ao explicar para quem desejasse conhecer e sobre o qual eu demonstrava domínio e empolgação ao assunto.

De longe, avistávamos os frutos amarelo ouro reluzindo. Estavam maduros!

Quando isso acontecia, era um alvoroço. Minha mãe logo fazia a recomendação:

_Cês precisam ir lá no alto buscar jenipapo para mãe fazer licor!

Pegávamos as cestas e saíamos saltitantes rumo ao pé de jenipapo. Eu corria na frente para avisar à madrinha, pois só iria se ela fosse para ir contando as histórias pelo caminho. Passava correndo pelo boqueirão, molhava os pés no córrego, atravessava o arrozal ainda verde e chegava à casa dela pedindo a bênção e avisando que queria buscar jenipapo para fazer licor.

Minha madrinha ficava pensativa, colocava as mãos na cintura, me abraçava exalando seu cheiro de cravo e canela, amarrava um pano branco na cabeça, pegava a sua cesta e lá íamos morro acima rumo ao pé de jenipapo. No meio do caminho, encontrávamos as minhas irmãs que nos esperavam na subida e também carregavam suas cestas com alguns frutos silvestres e algumas pequeninas flores colhidos na caminhada.

A subida era muito divertida, éramos quatro: eu, minha irmã mais velha, minha irmã mais nova e a minha madrinha preta que era só minha, mas que eu emprestava para a minha irmã mais nova.

Ao Chegar ao topo do morro, onde estava plantado o pé de jenipapo, era um clima de festa. De lá, avistávamos a nossa casa! Uma grande casa de paredes cor-de-rosa, portais vermelho-escuro e janelas azuis. Por um bom tempo, contemplávamos a paisagem daquele lugar, avistávamos o casebre da madrinha Maria e padrinho Manoel do lado esquerdo, e do lado direito, moravam o Sr Joaquim e Sá Ernestina. Havia ali uma paisagem peculiar: a caixa d’água, a horta, a mina, o telhado do engenho, o paiol, o pé de manga…

De repente, caía, lá do alto, tamanho jenipapo, amarelinho, de bico e rolava morro abaixo… era hora de encher as cestas de frutos para minha mãe fazer licor. Muitos deles caíam e rachavam ali mesmo. Enchíamos as cestas com aquelas frutas maduras, rachadas e perfumadas. Víamos por dentro a polpa que envolvia as sementes e experimentávamos a acidez inconfundível cuja essência era de dar água na boca.

Mais tarde, descíamos cada qual ao seu modo com seus cestos cheios de jenipapo. Aqueles que estavam inteiros fazíamos rolar morro abaixo para facilitar o transporte. Chegávamos cansadas e entregávamos as cestas para a minha mãe que já esperava com um sorriso nos lábios dizendo:

_Que meninas trabalhadeiras!

Minha madrinha vinha se aproximando, cansada, suada, com o maior e mais pesado cesto. Uma cesta enorme de jenipapos na cabeça!

A partir daquele momento, eu ia brincar com minhas irmãs. Estávamos cansadas e alegres com a chegada. As duas comadres ficavam conversando baixinho. Acreditava, naquela época, que falavam do pé de jenipapo e dos frutos colhidos. O olhar de cumplicidade entre elas ratificava a minha intuição, todavia o assunto que teciam não era importante para mim. Tratava-se de confidências entre comadres.

Não via mais aquela cesta…

Só agora estou me lembrando de que nunca experimentei daquele tão famoso licor…

Qual será o gosto daquela bebida?

O que será que minha mãe fazia com tanto licor de jenipapo?

Enveredando pelas histórias da infância, entre ternas e saudosas divagações e tantas indagações, estou à procura de uma dose de licor de jenipapo, aquele feito por minha mãe.

(Contos da minha Infância)

Maria do Carmo Rodrigues

Vice-presidente da Academia Caxambuense de Letras

 

Academia Caxambuense de Letras – janeiro de 2022

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