Saúde

CORONAVÍRUS / COVID-19: PESQUISADOR ESCLARECE SOBRE OS RISCOS DA CONTAMINAÇÃO

Texto de Guilherme Navarro. Formado em Biotecnologia pela Universidade Federal de São Carlos, Mestre em Genética e Biologia Molecular pela Universidade Estadual de Campinas

Introdução: Texto produzido no dia 10/04/2020, baseado em revisões bibliográficas de revistas científicas publicadas no dia 06/04/2020. Como reforço no texto, há novos dados e pesquisas sendo divulgados sobre a atual situação que vivemos a todo instante. Fiquem atentos, pois informações aqui divulgadas podem se tornar obsoletas conforme nosso conhecimento da doença avança. Mas acima de tudo, exercitem sempre um olhar crítico ao ir atrás das informações e busquem sempre fontes confiáveis.

 

Ao observar diversas postagens e comentários sendo amplamente divulgados nas redes sociais acerca do tão atual tema COVID-19, fiquei bastante preocupado quanto ao grau de informações infundadas divulgadas. Como a maior parte dos textos científicos possuem linguajar altamente técnico e inacessível para quem não é da área, é minha crença que nós pesquisadores temos o dever de trazer à população essa informação de um modo preciso e facilmente acessível, ainda mais em um momento como o atual. Por isso, gostaria que vocês vissem a descrição de minha formação no parágrafo anterior não como uma tentativa de me gabar, mas sim como evidência que o que venho escrever hoje para vocês, escrevo do ponto de vista técnico. Com esse objetivo, realizei uma busca na literatura para buscar o que a ciência tem como fato sobre essa infecção viral até o momento. Me baseei majoritariamente em 2 revisões bibliográficas publicadas recentemente em revistas científicas internacionais: uma da Lancet Respiratory Medicine, publicada em 06/04/2020; e uma na Cureus, publicada na mesma data. Os links para ambas as revisões, bem como outras fontes aqui citadas, estarão disponíveis no fim do post. Por fim, antes de dar início ao texto em si, algumas constatações relevantes:

 

  1. Apesar da minha formação na área da biotecnologia e biologia molecular, não sou um especialista em infecções virais. Estou fazendo o melhor para passar informações acuradas, mas peço que em caso de algum erro da minha parte ou discordância, me falem que podemos conversar sem problemas. Só peço que as discussões sejam fundamentadas em fatos, não em boatos ou achismos.
  2. O alto grau de seriedade da situação vivida pelo mundo atualmente corrobora para um alto volume de pesquisas sendo realizadas sobre o COVID-19 nesse momento. Assim sendo, novas informações estão sendo divulgadas a cada hora. Portanto, friso que escrevo aqui apenas o que se sabe até hoje, dia 10/04/2020.
  3. Não tomem nada do que lhes escrevo aqui como conselho médico. Não sou médico e, mesmo para quem é, o conhecimento sobre o tratamento dessa infecção ainda é muito esparso. Estou apenas provendo uma interpretação da literatura científica atual sobre o assunto.
  4. Algo que não deveria importar, mas aqui vai: não me considero nem de direita nem de esquerda, mas sem dúvidas puxo mais para o lado da esquerda. Além disso, sou extremamente anti-Bolsonaro. No entanto, volto a frisar que o que escrevo aqui tem majoritariamente um cunho técnico. Até por isso, todas as fontes citadas no texto são internacionais, para dissociar as informações do contexto político Brasileiro. Contudo, algumas partes desse texto serão opinativas (deixarei claro quando for o caso) e darei minha opinião quanto a algumas questões que envolvem as decisões do Presidente. Prometo fazer o máximo para que o ponto de vista seja técnico, mas ninguém consegue se dissociar completamente de suas convicções.
  5. Por fim, não falarei sobre a economia pois, apesar de ter uma opinião formada quanto a isso, não é uma área que tenho um conhecimento profundo e além disso o assunto foge ao escopo desse texto.

Após esse longo prefácio, vamos ao que mais interessa:

O COVID-19 tem a mesma taxa de mortalidade de uma gripe?

 A princípio, não. As taxas globais atuais reportadas para a doença são de 5,2% (1 em cada 20), enquanto nos Estados Unidos a mortalidade da gripe entre 2017-2018 foi de 0,1% (1 em cada 1000). No entanto, é difícil estimar a taxa real de mortalidade do COVID-19 por diversos fatores, como: falta de testes para uma boa parte dos casos e mortes suspeitas; grande quantidade de infectados assintomáticos; e saturação dos sistemas de saúde. Nos Estados Unidos, terceiro país com mais testes realizados por cada 1000 cidadãos, a taxa de mortalidade se encontra em 3,7%.

Opinião: Devido à alta taxa de pacientes assintomáticos, a taxa de mortalidade real deve ser menor do que a informada acima, mas ainda maiores do que a da gripe comum. Outro problema muito relevante é que devido a saturação dos sistemas de saúde, a taxa se eleva ainda mais do que deveria se observar em condições normais. Se todos ficam doentes ao mesmo tempo, pessoas que não deveriam morrer se fossem amparadas acabariam por vir a óbito.

Quem compõe o chamado grupo de risco?

Dados de um estudo publicado por um grupo italiano que analisou 12.464 casos indicam que cerca de 70% dos casos críticos de COVID-19 ocorreram em pacientes com mais de 70 anos. Em relação a comorbidades, a diabetes, o câncer e doenças cardiovasculares foram associadas a maiores probabilidades do desenvolvimento de formas críticas da infecção. Ser fumante ou ex-fumante também parece estar correlacionado a esse quadro.

Quais são os sintomas?

Infelizmente, a maior parte dos sintomas do COVID-19 são não específicos. Os sintomas mais comumente relatados são tosse, febre, fadiga e dificuldades respiratórias. Dentre os pacientes críticos, um estudo americano aponta que cerca de 76% apresentam dificuldades respiratórias, 52% febre e 48% tosse. Devido à inespecificidade desses sintomas, a OMS recomenda que a suspeita de COVID-19 seja adotada em pessoas com dificuldades respiratórias e febre que tenham tido contato com casos suspeitos ou confirmados nos últimos 14 dias.

Existe remédio? E a cloroquina/hidroxicloroquina?

Atualmente não existe nenhuma medicação com eficácia comprovada contra o COVID-19. Como o desenvolvimento de novas drogas é um processo trabalhoso e demorado, alguns estudos estão realizando testes in vitro (realizado com células em cultivo) e clínicos (realizado em seres humanos) com medicamentos adaptados de outras doenças. Dentre esses, encontram-se a cloroquina e, até agora um dos candidatos mais promissores, a hidroxicloroquina. No entanto, o principal estudo responsável pela associação da hidroxicloriquina ao combate do COVID-19 apresenta limitações importantes, discutidas pelo próprio autor, como um grupo de teste bastante reduzido (36 pacientes) e ausência de um acompanhamento dos pacientes a longo prazo. O próprio autor admite só divulgar esses resultados nessa fase inicial de estudo em função da situação atual da pandemia. Outras drogas candidatas ao tratamento do COVID-19 são o remdesivir e o lopinavir.

Opinião: Enquanto em casos extremos, como o atualmente vivido, o uso de medicações sem total comprovação de eficácia e segurança são considerados aceitáveis, o seu uso deveria se destinar somente a pacientes em situação crítica. Vale lembrar que esses medicamentos estão associados a efeitos colaterais graves mesmo em tratamentos de curta duração, como dano à retina ocular e problemas cardiovasculares. Desse modo, a utilização de um remédio de eficácia não comprovada e com riscos colaterais não desprezíveis deve ser pesada caso a caso, com os riscos provavelmente superando os (possíveis) benefícios em casos moderados da doença. A ser levado em consideração, cabe pensar também que uso descomedido desses remédios tem levado a desabastecimento da droga, prejudicando pessoas que possuem doenças graves e tratáveis com esse remédio, como pacientes com malária e lupus.

E teremos vacinas?

Atualmente, a mais promissora candidata a vacina para o COVID-19 está sendo testada pela empresa americana ModernaTx. No entanto, mesmo com o elevado grau de urgência, a produção de vacinas é um processo bastante lento e não é esperado que nenhuma vacina seja concluída ainda em 2020.

Como se dá a transmissão da doença?

O coronavírus em questão apresenta um grau preocupante de transmissibilidade, apresentando um número básico reprodutivo estimado entre 1.4 e 2.5. Ou seja, NA MÉDIA, cada pessoa infectada contamina de uma a duas outras pessoas. A principal forma de transmissão se dá pelo contato com fluidos corporais de pessoas infectadas, como gotículas respiratórias, saliva, fezes e urina. É importante ressaltar que pessoas contaminadas são vetores de disseminação da doença não apenas durante o curso sintomático da doença, mas também durante o período assintomático e durante o período de recuperação clínica. Adicionalmente, o vírus também pode sobreviver por até 4 horas em materiais de cobre, 24 horas em papelão, 48 horas em aço e 72 horas em plástico.

Quais são as melhores formas de prevenção?

As principais formas individuais de prevenção da doença passam pela intensificação de medidas de higiene pessoal básica: lavar as mãos por pelo menos 20 segundos quando passar por locais públicos (utilizando sabão, álcool 70% ou ambos); evitar contato das mão com a região de olhos, nariz e boca e evitar fortemente aglomerações; desinfectar com frequência locais tocados com frequência (como celulares, maçanetas e botões de elevadores). Quanto às formas de prevenção coletivas, recomenda-se o fechamento temporário de escolas, aeroportos, eventos esportivos e negócios não essenciais de um modo geral.

Em casos de confirmação ou suspeita de contaminação, a pessoa deve se isolar em quarentena por NO MÍNIMO 14 dias.

Opinião: Por que realizar o período de quarentena se provavelmente a maioria das pessoas vai se contaminar eventualmente? Aqui entra a tão falada questão do “achatar a curva” da disseminação viral. Enquanto as taxas de mortalidade do COVID-19 são provavelmente superiores a doenças comuns como a gripe, o que a torna tão perigosa atualmente é a sua alta taxa de disseminação. Se todos ficam doentes ao mesmo tempo, os sistemas de saúde entram em colapso (como aconteceu na Itália) e casos menos graves da doença e pessoas que não deveriam morrer em situações normais passam a vir a óbito por falta de acesso a leitos hospitalares e respiradores, por exemplo. Nesses casos, a taxa de mortalidade da doença reportada pode superar os 10%, novamente como aconteceu na Itália. Em países com infraestrutura de saúde mais frágil como o nosso, essa questão se torna ainda mais pronunciada.

E o calor vai matar o vírus? A transmissão é menor em climas quentes?

Estudos recentes têm mostrado que o vírus tem menor taxa de sobrevida em climas quentes e úmidos. No entanto, ainda existem dúvidas se essa menor persistência no ambiente levarão, de fato, a uma menor taxa de infecção pelo vírus. Um estudo americano recentemente analisou a relação do vírus com a temperatura e concluiu que, embora mais estudos sejam necessários, apenas a presença de clima quente e úmido não devem necessariamente ser suficientes para reduzir a propagação do vírus.

Obrigado a quem leu até aqui e espero que o texto possa ajudar a esclarecer um pouco o que a ciência sabe de fato até o momento sobre o vírus e a doença que nos levou a esse alarmante estado de pandemia. Seguem as principais fontes utilizadas:

 

Revisão Lancet: https://www.thelancet.com/pdfs/journals/lanres/PIIS2213-2600(20)30161-2.pdf

Revisão Cureus: https://www.cureus.com/articles/29670-a-comprehensive-literature-review-on-the-clinical-presentation-and-management-of-the-pandemic-coronavirus-disease-2019-covid-19

Mortalidade da gripe nos EUA: https://www.cdc.gov/flu/about/burden/index.html

Estatísticas do COVID-19: https://www.worldometers.info/coronavirus/?utm_campaign=homeAdvegas1?/embed/fd0k_hbXWcQ

Estudo hidroxicloriquina: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0924857920300996

Estudo de relação com temperatura e umidade: https://www.medrxiv.org/content/medrxiv/early/2020/02/17/2020.02.12.20022467.full.pdf

Se cuidem!

Guilherme Navarro. Formado em Biotecnologia pela Universidade Federal de São Carlos, Mestre em Genética e Biologia Molecular pela Universidade Estadual de Campinas e atualmente desenvolvendo Doutorado pela mesma instituição. Mais especificamente, atua no combate à leucemia infantil no Centro Infantil Boldrini, hospital de Campinas SP e centro de referência na América Latina nessa área.

 

Para os moradores de Caxambu: Guilherme é neto do recém falecido Dr. Nilo  um dos médicos de maior renome na cidade e região.

 

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