Saúde

MUROS E ÁLCOOL EM GEL

A expressão, em si, assusta: “Isolamento social”! Mas estamos lidando com algo que não vemos, que não sentimos, cujos efeitos nos são apresentados de maneira escancarada a cada vez que nos alcança alguma modalidade da mídia. Conscientes, nos isolamos! Em nome da vida, nossa, dos nossos e de quem eu nem conheço, abro mão de tudo e me confino. Afinal, o meu direito vai até onde começa o direito do outro. Ou o meu direito vai até onde permite minha responsabilidade.

A vida cercada por muralhas já foi, por muito tempo, a alternativa para a segurança. Com essa garantia ancestral e frascos de álcool em gel, imaginamos os invasores do lado de fora e nos isolamos em paz. Mas algo mais parece ter ficado excluído do nosso purificado cotidiano. Se não, de onde viria essa inquietação ou essa clara ansiedade? Óbvio: como ficar à vontade quando algo se aproxima com um inventário de milhares de mortes? E, se um número infinitamente maior sobreviveu, todos tiveram que lidar, em graus diferentes de consciência, com a possibilidade de perder a vida, levando em conta uma vulnerabilidade em que preferimos não pensar.

Para não pensarmos, temos nossas urgências, nossas atribuições diárias, nossa rotina, os horários para entrarmos e sairmos do castelo, satisfeitos, em maior ou menor grau, pela realização de nossas tarefas, pelo convívio com nossos pares e pela expectativa da remuneração que virá. Mas também ficou do lado de fora tudo o que, bem ou mal, a rotina nos traz. Poderíamos, mesmo em “isolamento social”, sentir o alívio de vivermos numa sociedade cujos dispositivos nos protegem e garantem. Mas é o que temos visto?

Não se torna, assim, compreensível a inquietação? Então, acredite, é menos difícil lidar com ela, falar dela, do que tentar ignorá-la ou escondê-la. Entenda que o seu surgimento, ou o seu agravamento, é circunstancial, e que, como você já disse tantas vezes, “na vida, tudo passa”! Nem mesmo precisamos negar a doença ou precauções, como se isso nos livrasse de seus riscos. E mais, a tecnologia nos permite transformar o “isolamento social” em mero “distanciamento físico”, e uma nova rotina, com novas tarefas, pode ser aplicada às necessidades do castelo e à convivência com os que nele se encontram igualmente confinados, igualmente inquietos, igualmente incertos.

Por Eder Schmidt – Psicanalista – Juiz de Fora – MG 
Texto publicado originalmente no jornal Tribuna de Minas – JF- MG
Foto: ilustrativa – internet
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