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CANTOR E ATOR IVON CURI É HOMENAGEADO EM ÁLBUM ESPECIAL

Durante uma festa de gala, entra no salão um tipo aristocrático, que entremeia gestos sutis com caretas enquanto entoa, com voz macia e grave, versos como “mas o que se faz só por delicadeza/ rir de piadas que nos dão tristeza/ elogiar o chefe da repartição/ quando a vontade era mandar lamber sabão!”, da canção “Delicadeza”, de Lombardi Filho e Pedro Rogério, peça ilustrativa da decantada cordialidade nacional.

Quem a interpreta é Ivon Curi (1928-1995), numa cena de “Depois Eu Conto”, chanchada protagonizada por Dercy Gonçalves em 1956, cujo mote era a hipocrisia da alta sociedade carioca, conhecida como “gente de bem”. Assim como o filme, a obra de Curi segue “tão atual quanto esquecida”, como lamenta o produtor musical Thiago Marques Luiz, 40.

Para tirar do ostracismo o legado do mineiro de Caxambu, irmão do famoso radialista esportivo Jorge Curi, Marques Luiz atendeu aos apelos do cantor Roberto Seresteiro e decidiu produzir “Um Personagem Chamado Ivon Curi”. “Foi tudo feito sem patrocínio, com cantores amigos que não cobraram cachê. Não sei como não tive prejuízo”, informa Marques Luiz.

O show, realizado no Teatro Itália, em São Paulo, no ano passado, acaba de ser lançado em disco com 16 faixas. Seresteiro, 36, que descobriu a veia musical de Curi em um curso de oratória que estudava a canção “Retrato de Maria”, ficou incumbido de repaginar “Delicadeza”. “Me identifico com o jeito do Ivon de entreter a plateia, e essa música traz uma visão irônica e sarcástica que eu adoro”, elogia Seresteiro.

Obra. O time de intérpretes vai de nomes da nova geração, como Filipe Catto e Ayrton Montarroyos, a veteranas do ramo, casos de Claudette Soares, Maria Alcina, Alaíde Costa e Eliana Pittman, além do ator Rafael Cortez e do performático Edy Star, que conviveu com o homenageado.

A seleção tenta alcançar, justamente, a variedade que marcou a trajetória de Curi e que se justifica no título do álbum. “Em cada música ele encarnava um personagem. Um dos títulos que o Ivon recebeu durante a carreira foi de ‘O Ator da Canção’. Com esse lado teatral, ele assumia o papel de trágico, romântico, cômico”, enumera Marques Luiz.

No repertório, comparecem os xotes maliciosos “Farinhada” e “Xote das Meninas”, a bossa-novista “Falam Tanto de Mim”, a romântica “Escuta” (feita por Curi para Angela Maria), a valsa “João Bobo”, a tragicômica “Telefonema”, as teatrais “Montanha-Russa” e “Retrato de Maria” e a impagável “Comida de Pensão”, que diz: “Reclamar com a Teresa/ Não adiantava não/ Pois até na sobremesa/ Vinha doce de feijão”.

Outras pérolas ainda ficaram de fora, como “A Cara do Pai”, da insuperável abertura “Deu tanto trabalho/ O seu nascimento/ E foi um tormento/ Um Deus nos acuda/ A mãe aflita/ Todo mundo ajuda/ No fim ele sai/ A cara do pai!”.

“No sentido de interpretação e caracterização da música, o Ivon foi uma escola. Nenhum artista é igual ao outro e ele era menos ainda. Nessa coisa de vedete com uma pitada de humor que eu trago, o Ivon é uma grande referência”, observa Alcina, 70, que, no CD, canta “Farinhada”, segundo ela “uma canção que faz parte do nosso inconsciente coletivo”.

“O Ivon foi um tipo de artista cuja fôrma foi jogada no lixo, não temos ninguém que siga o estilo dele, nenhum herdeiro”, complementa Marques Luiz. Para o produtor, ironicamente, a falta de reconhecimento de Curi “tanto em vida quanto depois da morte, tem a ver com o fato de ele não ter se fixado em uma função”. “A imagem dele ficou muito associada ao humor, e isso acabou sufocando o lado musical”, aponta Marques Luiz.

Plural. Ao lado de Renato Aragão, Wanderley Cardoso e Ted Boy Marino, Curi participou da formação inicial do programa “Os Trapalhões”, que, em 1966, se chamava “Os Adoráveis Trapalhões”. Ele também atuou em inúmeras chanchadas de sucesso, como “É Com Esse Que Eu Vou” e “Aviso aos Navegantes”, e, em 1950, cantou em dueto com Hebe Camargo no primeiro videoclipe da história da televisão brasileira, exibido pela pioneira TV Tupi.

Em 1981, ele dirigiu um show da fadista Amália Rodrigues. Já na década de 90, a convite de Chico Anísio, deu vida ao gaúcho Gaudêncio na “Escolinha do Professor Raimundo”. Outra faceta do artista era a de dublador. Na versão brasileira para o desenho animado “A Bela e a Fera” (1991), da Disney, Curi assumiu a voz da vela Lumière, que tinha sotaque francês. Não foi por acaso.

“O Ivon introduziu a música francesa no Brasil”, conta Marques Luiz. “C’est Si Bon”, “La Vie en Rose” e “Sob o Céu de Paris” ganharam registros singulares de Curi, que se transformou numa espécie de chansoniére tupiniquim. “O Ivon foi um artista de grande versatilidade, era um ator cantando. Esse trabalho é importantíssimo, é uma atitude nobre de preservar a nossa memória cultural”, exalta Saulo Laranjeira, 67, que encerra o tributo com “Retrato de Maria”.

Homenagem. “Um Personagem Chamado Ivon Curi” traz 16 faixas com diversos intérpretes, entre eles Saulo Laranjeira, Maria Alcina, Roberto Seresteiro, Eliana Pittman, Filipe Catto e Alaíde Costa.

Fonte: Jornal O TEMPO – www.otempo.com.br

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