OS DIAS ESTÃO SIMPLESMENTE LOTADOS (Fal Vitiello de Azevedo)
Academia Caxambuense de Letras
Os dias estão simplesmente lotados
por: Fal Vitiello de Azevedo – (Acadêmica Correspondente)
O título não é meu, claro, é título dum gibi do Calvin&Haroldo, talvez uma das coisas de que eu mais gosto na vida (numa lista curta: café, Hannibal, cheiro de jasmim, dormir de colherzinha, Zélia Gattai e você).
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O verão do Calvin, um menino norte-americano duns seis, sete anos, é cheio de aventuras do tipo que as crianças pequenas podem ter quando moram em lugares bacanas: andar no mato, olhar as folhas das árvores deitado debaixo delas, correr dentro de casa e quebrar coisas.
Não tenho filhos e não convivi com meus sobrinhos, então não faço ideia de como são os verões da molecada, mas os verões do Calvin são muito, muito parecidos com os que eu tinha quase cinquenta anos atrás. Dei a sorte de viver no meio do mato quando pequena e eu era ainda mais selvagem e bagunceira do que esse guri e do que o Haroldo, um tigre de pelúcia que ganha vida quando brinca com Calvin.
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Menino e tigre têm conversas profundas sobre a vida e a morte, sobre obrigações emocionais, escolhas e vida em sociedade porque o sensacional cartunista Bill Watterson escreve para adultos, não para crianças, e desenha dum jeito comovente. Os dias de verão do Calvin, feito os meus quando tinha a idade dele, passam rápido demais, numa espiral de atividades, joelhos ralados e água borrifada. A estação acaba num piscar de olhos.
Conheço a sensação.
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Toda vez que estou cheia de tarefas e com uma lista de textos atrasados me assombrando (atualmente, não, mas quase sempre devo textos para metade da interneta brasileira e a outra metade não perde por esperar) é essa frase, esse título de gibi, que digo para mim, geralmente em voz alta — ah, é, eu falo sozinha, sou meu próprio tigrinho de pelúcia, pode acreditar.
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Sim, os dias estão simplesmente lotados. Curtos demais. Cheios de armadilhas e pedras enormes me esmagando na estada (se bem que isso é doutro desenho) e se o problema com a criação de textos é que não dá para fazer mágica (pelo menos não sempre), a beleza do nosso ramo é que temos um monte de truques à disposição.
Noutras palavras: nem todo mundo aqui vai conjurar um demônio para valer, mas é completamente possível tirar um ou dois ases do ar com algum treino e uma camisa de mangas largas.
Academia Caxambuense de Letras – outubro de 2024