ACADEMIA CAXAMBUENSE DE LETRASCultura e Lazer

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Maria do Carmo Rodrigues - vice presidente da Academia Caxambuense de Letras

A coluna de hoje é com Maria do Carmo Rodrigues – vice presidente da Academia Caxambuense de Letras

O pé de manga

Do alpendre da casa grande avistava-se o enorme pé de manga. Tronco majestoso, imponente, folhas em tom verde escuro, parecia uma peça harmônica, arquitetada pela natureza.

A vasta folhagem compunha a copa arredondada. Dava a impressão de ser uma esfera enorme rolando sobre a terra. Era ali, em seus galhos modelados, que as crianças passavam grande parte do dia. Brincavam de gangorra, pique, passarela, cantores, atrizes entre outros exercícios rotineiros. As crianças, não raro, saíam correndo – ora da cozinha, outras vezes do alpendre e se dirigiam ao verdadeiro parque de diversões, para apossar dos galhos alegres, carregados de cumplicidade e neles brincar, abraçar e contar segredos e aquele pé de mangas, sabiamente cedia, compartilhava e guardava as mais sinceras confidências.

Ele fora moldado pela natureza para acolher as gentes, ouvir as confidências tantas, ofertar uma sombra majestosa e, sobretudo, alimentar com os mais saborosos frutos. Do lado esquerdo, ele oferecia um galho, que mais parecia uma cama, onde as crianças sonolentas, adormeciam. À direita, um galho/banco, garantia segurança para os piqueniques nas alturas. Nas pontas dos galhos de folhas verdejantes, havia uma haste flexível, que assemelhando um cavalo alado, dava seus impactos galopantes, transportando as crianças ao espaço; como um passe de mágica a criança era erguida, levada aos céus e com a mesma firmeza, alegria e segurança, retornava ao tronco original. Era um verdadeiro espetáculo! O galho da mangueira era um amigo daquelas gentes. Aquilo, sim, era experimentar e viver a liberdade.

Nos sempre aguardados tempos de férias, a mangueira era a personagem principal – era o parque de diversões, além de oferecer oportunidades de vivenciar as brincadeiras tão saudáveis, oferecia mangas deliciosas, que, ali mesmo, eram devoradas. Algumas eram colhidas com as mãos, outras, despencavam do alto com o balançar do vento. E o chão ficava coberto de frutas entre verdes, amadurecidas, amarelas e tantas outras amassadas pela queda das alturas.

Ele oferecia também o frescor das tardes, lá fora tão quentes! O silêncio do entardecer, marcando a hora do crepúsculo, os passarinhos, aos pares, retornavam os poleiros e aos ninhos que guardavam ovinhos fecundos. Ao amanhecer havia um alvoroço dos sabiás, sanhaços e maritacas famintas. Os troncos tão fortes e diversos dividiam-se, cada um tomava um rumo e um eles virava um trampolim para as crianças pularem lá de cima, na palhoça de arroz, que ficava ali embaixo. Esse era um lugar de refúgio.

Árvore frondosa, naquele ambiente, tornara-se uma anfitriã para seus visitantes, com espaços seguros e ainda acompanhava o crescimento das meninas. Só era possível atingir sua copa, quando havia certeza de segurança. Seus galhos pouco retorcidos permitiam caminhar sobre eles com facilidade. E como passarinhos sem asas, tudo era possível, na saudosa infância, naquela árvore-mãe. Ninguém caiu dele, ninguém levou fratura. Quando se pensava em extrapolar, ele mesmo mostrava limites e então o medo insinuava o recuo. Ao deitar debaixo dele, procurava-se uma fresta para avistar o azul do céu. Era difícil. Ele era encorpado, pois seu tronco era cinzelado e entalhado com o machado, fazendo escamas, abrindo as lenticelas para que as folhas não caíssem e para que as suas flores vingassem todas. Era costume dos mateiros, segundo a lenda.

De longe, ouvíamos os sons dos sanhaços e das tagarelas maritacas verde-azuladas, brigando por um fruto maduro que levando a bicada, desprendia do talo e caía.

Em dezembro, estando o chão coberto de mangas, elas eram recolhidas para serem preparadas e transformadas em um doce delicioso que depois de prontinho, seria embalado em caixotes de madeira, guardados na despensa para servir às visitas de costume.

O pé de manga permaneceu lá ainda por muitos anos e imortalizou nos recônditos da memória.

O perfume das flores, daquela árvore em floração, ainda pode ser sentido, quando são resgatadas nuanças daquele tempo de alegria, de verdadeira infância, dos amores perfeitos, das promessas feitas, dos príncipes montados em cavalos alados. É possível ouvir as abelhas zunindo, colhendo o pólen naquela floração exuberante.

Porém ainda permanece viva a sua imagem, para compor essa linda paisagem, na qual habitam as doces recordações das peripécias da infância das meninas, no mosaico do tempo.

Maria do Carmo Rodrigues – vice presidente da Academia Caxambuense de Letras

 

Academia Caxambuense de Letras – março de 2022

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