Cultura e Lazer

ESPECIAL – O FILME QUE VI

Relatos Mundo - parte 2

Ainda sobre Relatos do Mundo, há um aspecto crucial a se discutir: o poder de quem relata o mundo para outros, que se posicionarão frente a todas as coisas a partir daqueles relatos.

Texas, 1870, há cinco anos terminou a Guerra Civil, com a vitória do Norte sobre os do Sul. O ex-capitão sulista Jefferson Kyle Kidd viaja de cidade em cidade lendo as notícias do mundo para um público que depende dele para saber o que se passa para além de seus horizontes. Seu trabalho é descrever realidades às quais aquelas pessoas não tem acesso, sendo sua palavra tudo com o que podem contar.

Como qualquer narrador, ele não reluta em apresentar a sua própria versão dos fatos, enfatizando um ou outro aspecto do relato e escolhendo como irá mobilizar a audiência, ainda que torne imprecisas as fronteiras entre verdade e criação. Esse é um privilégio de quem transmite notícias.

Viajei, então, até dois filmes antigos: Louca Obsessão (1990), e a versão de Claude Lelouch para Os Miseráveis (1995), excelentes filmes que vão muito além do aspecto que levanto aqui: a vulnerabilidade do receptor ante as intenções do narrador.

Em Louca Obsessão, um escritor famoso é resgatado ferido em um acidente por uma fã que decide mantê-lo consigo. Para isso, ela lhe dá falsas notícias sobre estradas impedidas e linhas telefônicas danificadas pela neve. Confinado, ele não pode mais do que acreditar que aquela é a realidade para além do leito em que se encontra.

Em Os Miseráveis, um advogado judeu, em, 1945, é mantido no porão de fazendeiros ambiciosos através de falsas notícias de que Hitler estaria vencendo a guerra, e que não seria seguro se saísse de lá, algo em que ele é induzido a crer.

Mas, não seria essa a nossa situação? Confinados, acabamos por imaginar os fatos segundo as descrições de uma mídia nada desinteressada. Quantos de nós acessam por conta própria as realidades para além do horizonte ou confronta diferentes relatos do nosso próprio mundo? Quantos podem, mas, quantos de fato querem? Sim, porque não é preciso ser psicanalista para saber que o ser humano, naturalmente, tende a adotar como verdade aquilo que mais lhe convém, absolvendo os que trazem falsos relatos do mundo.

@drederschmidtpsiq

ufjf-br.academia.edu/EderSchmidtPsiquiatriaUFJF

 

 

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