Cultura e Lazer

CRÔNICA: Decadência dos bons costumes

Kerley Carvalhedo

Todo lugar sempre tem um chato, inclusive sou um deles. Os amigos já haviam me alertado sobre minha chatice, só me dei conta de uns tempos pra cá. Defendo os chatos porque há chatos com suas razões de o ser.
Outro dia, depois do jantar, fui para o computador ler e-mails, como de costume. Às vezes leio algum artigo interessante sobre política ou ciência.

Entre os e-mails, havia um de uma moça me pedindo, quase implorando, uma entrevista comigo. Ela exigia que fosse no local onde escrevo, em minha casa. Alegou que a reportagem era para um programa cultural na TV, e seria transmitido para algumas cidades do estado. Topei. Marcamos, e poucos dias depois como combinado ela chegava à minha casa,acompanhada por dois rapazes que formavam sua equipe.

A entrevistadora me parecia jovem demais para o trabalho, mas apostei as fichas no seu talento. Fiquei olhando atentamente para aquela moça que acabara de conhecer e já entrara de casa adentro, revistando tudo, quase como se fosse um detetive. Os dois rapazes ali, pareciam reprovar o comportamento da minha entrevistadora, que desastrosamente deixou cair um bibelô de porcelana que herdei da minha vó. Ao ver o objeto aos pedaços no chão, já não podia disfaçar meu descontentamento com aqueles seres que haviam invadido minha sala, minha privacidade. Não foi pelo bibelô quebrado, foi pela falta de bom-senso. Abrir a porta da sua casa é abrir sua intimidade.


Laura, minha esposa, ao saber que iríamos receber visitas, foi logo disponibilizando cinzeiros por quase toda a casa, sem saber se a moça era tabagista. Ainda nem tinha começado a gravação ela já havia fumado uns quatro cigarros, jogando bitucas de cigarros no chão. Uma tremenda falta de respeito, uma porcaria para com o dono da casa. Não tive outro jeito, ela jogou. Minha mulher vendo aquilo, não sabia esconder seu incomodo com a “dama” que me entrevistava. E multiplicou os meus esforços para continuar nossa conversa.Pedi para que não filmassem algumas peças “raras”, incluindo alguns quadros de parede, arrematados numa liquidação de peças “cafonas” que comprei na Europa. Surpreendentemente, a moça da entrevista fazia tudo ao contrário – mandava que o câmera filmasse os detalhes da minha sala e do meu escritório.

Olhei para Laura e a vi fazendo gestos para eu encerrar a entrevista. Temi que ela mesma viesse, pessoalmente, interromper a gravação e chamasse a entrevistadora de “porca”. Fatalmente seu aborrecimento também chegaria a mim. (Quem não se viu diante de uma situação assim?) Acenei para a dama e disse-lhe que encerrássemos o papo, pedi licença e fui para o lavabo. Lá fiquei por um tempo, voltei e disse que gostaria que aquela entrevista não fosse publicada. No final, não autorizei o uso das imagens, pedi desculpas os despedi.
Dia seguinte, abri o meu e-mail; lá estavaa mensagem da moça: “Você é um tremendo chato!”. Apenas concordei interna e silenciosamente, desliguei o computador e fui dormir.

Kerley Carvalhedo é cronista e escritor. É membro correspondente da Academia Caxambuense de Letras. Começou sua carreira no jornalismo em 2011 no jornal ‘DiárioRS’. É autor de livros, entre eles o livro de crônicas “K Entre Nós” sua obra mais conhecida.

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