Cultura e Lazer

ESPECIAL – O FILME QUE VI

Não olhe para cima

A destruição da Terra é tema recorrente da ficção, seja como meta de vilões de desenhos animados, desfecho de desastres naturais, ou conflitos nucleares (vide o antológico Dr. Strangelove, de Kubrick).

Há cinquenta anos, David Bowie lançava o clássico “Five Years”. Na letra, a notícia de que a Terra só duraria mais cinco anos é lida aos prantos em um noticiário de TV, provocando uma comoção generalizada, um desespero disseminado com reações extremas.

Semanas atrás a Netflix lançou “Don’t look up”, uma comédia trágica, onde a notícia do fim do mundo desperta reações opostas a aquelas.

Através de seu telescópio, Kate Dibiasky descobre um novo cometa, concluindo que, em seis messes, ele se chocará com a Terra, destruindo toda a vida do planeta. Ela e o seu preceptor se lançam à tarefa de divulgar a catástrofe, esbarrando em uma negação radical das consequências do fato. Os que poderiam fazer alguma coisa, priorizam outros interesses, e a população em geral, incluindo a imprensa, está focada apenas nas possibilidades midiáticas da notícia e dos dois cientistas. Como em geral acontece, sendo a única que mantém a lucidez, Kate passa a ser marcada nas redes sociais como louca.

O que dizer dessa mudança extrema, em cinquenta anos, na reação que se pode esperar ante uma grave ameaça? Várias coisas.

Inclusive, que a proteção oferecida ao ser humano pelo extraordinário desenvolvimento da ciência teve como efeito colateral uma atitude de negação onipotente do quanto ainda somos frágeis. Ou que as maravilhas da comunicação deram margem para a pretensão de termos superado nosso último inferno: o outro com seu espaço próprio.

Passamos a nos imaginar em um refúgio onde a crença na aquisição do pleno e no domínio absoluto do que nos circunda nos permite negar nossa real vulnerabilidade que, por insistir em nos assombrar, nos leva a radicalizar ainda mais a negação de tudo. Ainda que não haja algo gigantesco, como um meteoro, ou a eventualidade microscópica de um vírus, seremos eternamente afrontados pelas diferenças naqueles que são outros. Essas, ou serão percebidas e administradas, ou negadas através de alguma força, interna ou externa

 

@drederschmidtpsiq

ufjf-br.academia.edu/EderSchmidtPsiquiatriaUFJF

 

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