Coluna SeguimentosColunas

Um grito no Carnaval

Coluna: SEGUIMENTOS - por: Antonio Trotta - Jornalista, Escritor e Poeta - 05 de março de 2025

Ouça essa matéria  

Sou meio avesso às multidões. Gosto de gente, de pessoas, mas, em números desproporcionais, chego a me sentir sufocado, apertado literalmente e espremido fisicamente no corpo a corpo. Esse negócio de empurra pra lá e pra cá não é o meu forte. Principalmente quando querem nos impor um espírito de rebanho, condução coletiva, muitas vezes desenfreadas, sem controle. Nem tudo é festa.

Já brinquei muitos carnavais e já me senti mais um na multidão. Por hora, prefiro a solidão. Não o isolamento total, mas o desligamento temporário das grandes agitações. Prefiro me recolher com alguns amigos em uma fazenda, roça, sítio, viver a natureza, sentir o ar puro das manhãs. Antes que tudo vire cinzas.

Mesmo quando jovem, não apreciava muito grandes aglomerações. Portanto não é coisa da idade, mas, preferencialmente, uma questão pessoal, do meu jeito de ser e pensar. Assim como, ao contrário, tem muita gente que gosta e curte os quatro dias de Carnaval sem interrupção. Creio, mesmo, que a maioria, consequentemente, vai às ruas; são legiões de pessoas participando ou apenas assistindo ao “maior espetáculo da Terra”. Então, “viva a folia!”, para a grande maioria. E “viva a folia!” para quem aprecia sem aglomeração. São escolhas e decisões.

Aliás, toda manifestação popular é bem vinda, ainda mais quando é espontânea, natural, expressão e cultura de um povo. O duro é quando governos resolvem oficializar e a mídia, em geral, enquadrar em sua programação, banalizando e exportando essas manifestações populares, religiosas, étnicas, regionais e culturais. Daí passamos a viver numa “aldeia global”, aumentando desordenadamente e depreciativamente todo tipo de preservação popular natural; as manifestações locais se tornam um produto Made in Brazil, tipo exportação. É a exterminação da cultura.

Assim, governo e mídia nos confinam. Seguimos o script e agimos numa espécie de redoma artificial e mecânica de riso, alegria e diversão. Um autoriza e possibilita a festa; o outro atrai multidões, divulgando para cada folião que tudo pode, e mostra, ao vivo e a cores, que “tá tudo liberado” nos quatro dias de folia. E assim a beleza local, como manifestação popular, vira beleza global simbolizada pela nudez mostrada na telinha.

Neste ano não vou colocar meu bloco na rua. Nem vou matricular-me em uma escola de samba. Apenas, sem fantasia, quero manifestar o meu grito no Carnaval.

 

Antonio Trotta – Jornalista, escritor e poeta

 

Foto: Creative Commons CC0 – Pixhere.com

5 Comentários

  1. Me identifiquei muito com seu texto… Maravilhoso, como sempre… Realmente, há algo de profundo na calma: ela nos permite ouvir o que realmente importa, seja dentro de nós mesmos ou no mundo ao nosso redor. Eu também sou do tipo que prefere um olhar tranquilo a uma festa barulhenta.

    1. Me identifico, pois sou reservada, nesses dia prefiro me retirar e refletir. Prefiro estar unida com amigos e família e aproveitar cada momento. Pois a vida passa e o que vamos ter depois, são boas lembranças

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Artigos relacionados

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo