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MORRE O JORNALISTA JOSÉ MARIA RABELO

Leia abaixo algumas manifestações sobre a morte nesta quarta-feira (29) do jornalista mineiro, José Maria Rabelo

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Kerison Lopes – Casa do Jornalista de Minas 

A Casa do Jornalista de Minas lamenta o falecimento do seu ex-diretor José Maria Rabelo. O jornalista, escritor e editor faleceu nesta quarta-feira (29), aos 93 anos, por falência múltipla dos órgãos. Será velado na nossa sede, av. Álvares Cabral 400, de 14 às 20h.

Fundador do semanário Binômio, considerado um dos precursores da imprensa alternativa no Brasil, José Maria nasceu em Campos Gerais, no Sul de Minas, mas se mudou jovem para a capital mineira para estudar. No início dos anos de 1950, fundou o “Binômio”, que circulou semanalmente, durante 12 anos, de 1952 a 1964.

O semanário foi considerado o pioneiro da imprensa alternativa e popular que ganharia força durante a ditadura. Em 1961, o jornal foi literalmente destruído por cerca de 200 homens do Exército e da Aeronáutica. Tudo por conta de críticas feita pelo jornal ao general João Punaro Blay, designado para comandar a maior unidade militar do Exército em Minas na época.

Fiel ao espírito sarcástico do jornal, a reportagem tinha o seguinte título: “Funaro Blay, democrata hoje, fascista ontem”. Dois dias depois, o general foi pessoalmente ao jornal cobrar explicação.

“Eu disse que era responsável por tudo que saía no jornal. Então ele me pegou pelo colarinho e eu reagi”, contou Zé Maria em entrevista ao site Beltrano.

Horas depois, cerca de 200 homens do Exército e da Aeronáutica comandados por seus respectivos comandantes, destruíram todo o jornal.

Zé Maria foi então obrigado a fugir de Belo Horizonte para São Paulo disfarçado de padre.

Só voltou para a capital mineira após a posse de João Goulart, para reestruturar o jornal, que circulou até 1964.

Com o golpe militar, José Mara Rabelo, na época com sete filhos pequenos, foi para o exílio, tendo residido no Chile, onde criou uma rede de oito livrarias especializada em ciências sociais, e na França, onde se tornou novamente livreiro.

Em 1979, com a anistia, ele retornou ao Brasil.

Vá em paz, Zé Maria. Obrigada por toda coragem, lucidez, esperança e amor ao jornalismo.

Um abraço especial dos jornalistas de Minas nos familiares e amigos. Força.

Zé Maria Rabelo, presente!

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Rosa Freire D’Aguiar – jornalista e escritora 

José Maria Rabelo, o jornalista, o militante, o cupido

Foi-se o José Maria Rabelo. Estou passada. Conheci Zé Maria pouco depois que ele chegou do Chile e iniciou, ao lado de Thereza e dos sete filhos, um segundo exílio, desta vez na França.

Mais adiante, Zé Maria juntou-se ao projeto da livraria brasileira em Paris. Essa livraria foi a cogntinuação da Livraria Portuguesa que Mario Soares manteve muitos anos aqui, até voltar para Portugal, depois da Revolução dos Cravos em 1974.

Ficava na rue des Écoles, em pleno Quartier Latin, onde hoje funciona a L’Harmattan. Zé Maria era a alma da livraria. Que sempre foi muito mais do que um estabelecimento comercial. A Livraria dos Países de Língua Espanhola e Portuguesa — seu pomposo nome — era um ponto de encontro, era o palco onde, entre as bem fornidas prateleiras, se multiplicaram os debates políticos sobre o Brasil.

Zé Maria recuperou a linda cave de pedra do subsolo e ali instalou um pequeno auditório para palestras, bate-papos com brasileiros de passagem por Paris, exilados de outros países, franceses vindo manifestar sua solidariedade aos perseguidos pelo regime militar.
Para nós, jornalistas brasileiros, Zé Maria era alguém da família.

Conhecia, literalmente, todo mundo! os exilados, claro, mas também políticos, sindicalistas e intelectuais franceses, portugueses, italianos, os escritores de várias partes do Terceiro Mundo. Sempre generoso, solidário, pronto a ajudar, ele nos dava os nomes, os telefones de quem queríamos entrevistar. Voltava a ser o jornalista combativo que dirigiu o “Binômio” em Belo Horizonte antes do golpe de 64. Sugeria outros nomes, perguntas a fazer, dava-nos o background do futuro entrevistado: era encontrar Zé Maria e já sair com a pauta prontinha!

Quando Leonel Brizola deixou o Uruguai e começou, nos idos de 78, a viajar por países europeus, Zé Maria é que estava sempre a seu lado, sendo depois um dos fundadores do PDT. Lembro-me especialmente da primeira viagem de Brizola a Paris, num inverno com muita neve, em que Zé Maria cuidou de tudo, desde o jantar que lotou as várias salas de um restaurante em Montmartre até o encontro com François Mitterrand e toda a cúpula do Partido Socialista.Outros remomorarão, aqui, o Zé Maria político, antes e depois da ditadura, o militante, o jornalista.

Conto, num registro mais pessoal, que foi Zé Maria quem me apresentou a Celso Furtado, convidados que fomos, Celso e eu, para uma inenarrável feijoada na casa de Zé Maria e Thereza, nos idos de um sábado gelado de março de muitos anos atrás. Zé Maria, quem diria, até cupido foi!

Um abraço carinhoso para os filhos, em especial para Fernando, Monica e Patricia.
Esta foto é de fins de 2019, última vez que nos vimos, quando o Afonso Borges me convidou para um Sempre um Papo em Belo Horizonte. Em pé, em torno de Zé Maria, o excelente fotógrafo Fernando Rabelo, eu, o professor João Antonio de Paula e Afonso Borges. A foto é de Daniel Bianchini.

P. S. Recomendo vivamente o livro que Zé Maria e Thereza escreveram, “Os caminhos do exilio”, editado pela Geração Editorial. Esse misto de reportagem, recordações, reflexões, é dos melhores relatos para se conhecer a vida daqueles tristes anos do exílio a que foram forçados tantos brasileiros.

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Fernando Morais – escritor 

“Muita gente pergunta por que mantenho até hoje, no livro “A Ilha” – que já está na 37ª edição, publicado em tudo quanto é canto do mundo –, a dedicatória a José Maria Rabelo. Primeiro, pelo óbvio: Zé Maria foi o jornalista mineiro que esmurrou o general Punaro Blay, fascista de carteirinha e comandante militar em Minas Gerais, quando o milico invadiu o jornal “Binômio”, aos berros, para reclamar de uma reportagem. A homenagem era também um reconhecimento ao trabalho que o Zé teve com a direção da Revolução Cubana para que eu pudesse colocar os pés na Ilha pela primeira vez, em 1974 – viagem da qual acabou nascendo o livro e que nunca terminou. Daí a imensa tristeza ao receber, de Minas, a notícia de que o Zé morreu, aos 93 anos de idade. Não morreu. Um jornalista e ativista com a história e a trajetória do Zé Maria não morre nunca.

Foto 1 – Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais

Foto 2- Acervo de Rosa Freire D’Aguiar

Textos enviados pela jornalista e escritora: Esther Lúcio Bitencourt

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