Mountainhead é como um derivado pouco afiado de Sucession

Há alguns ricaços como os quatro protagonistas de Mountainhead em Succession. Será fácil lembrar do Lukas Matsson de Alexander Skarsgard enquanto você escuta as asneiras e loucuras ditas, durante um fim de semana apocalíptico, pelo grupo de amigos formado por três bilionários e um milionário aparentemente incapaz de acumular seu primeiro billy. O grupo – Venis (Cory Michael Smith), Jeff (Ramy Yousseff), Randall (Steve Carrell) e Hugo “Sopão” (Jason Schwartzmann) – porém, mais do que ecoar a série de sucesso da HBO, mostra porque esse tipo de ricaço não protagonizava aquela história.
É claro que os Roys tinham contas bancárias abastadas, mas os ultra-ricos, extravagantes e excêntricos donos de empresas de tecnologia tipicamente circulavam a família central, aqui e ali tinham seu tempo no holofote para mostrar o quão bizarra é a vida de quem sonha em fazer o upload de sua consciência, criar uma colônia para a elite econômica no espaço ou, quem sabe, dar um golpe de estado na Argentina. Todas essas ideias são levantadas – e algumas são ativamente exploradas – nos dias que o grupo passa na casa desnecessariamente grande de Sopão nas montanhas do Utah (EUA), uma tradição anual dos quatro onde não há mulheres, não há negócios e não há empregados.
O que devia ser um tempo de bebida, comida gordurosa e pôquer, contudo, vira uma sucessão de loucuras que só quem tem o dinheiro e o poder destes homens podem conceber depois que Venis, o homem mais rico do mundo, lança uma ferramenta de IA profundamente questionável em sua rede social com 4 bilhões de usuários. Capaz de criar fake indistinguíveis da realidade, ela é usada por grupos de terroristas, governos, milícias e trolls em todo o mundo para, em apenas 48 horas, iniciar inúmeros desastres, conflitos armados e atos de violência por todo o mundo.
Em outras palavras, Mountainhead é um território fértil para as forças do diretor e roteirista Jesse Armstrong. Na verdade, se esse filme soa como algo próximo até demais do que o criador de Sucession fez nas quatro temporadas do seriado, não é um acidente. Nos melhores momentos, Mountainhead parece apenas sublinhar os diálogos, situações e dilemas explorados num projeto melhor; nos piores, o longa – que estreia neste sábado (31) direto no catálogo da (HBO) Max – sugere um artista que já esgotou seus argumentos nesse assunto, e que, sem ajuda de colaboradores valiosos, acaba apenas tocando os mesmo hits por quase duas horas.
A parte boa dos hits, claro, é que eles são o que nos fizeram gostar de algo para começo de conversa. Não há como negar a habilidade de Armstrong em comunicar o humor macabro de ver pessoas que podem prejudicar a vida de bilhões discutindo planos assustadores com a certeza de que aquilo é o melhor para o mundo. Venis é basicamente um mix de Elon Musk e Mark Zuckerberg (mas mais bem-sucedido que os dois combinados), Randall preside uma empresa com tecnologia de drones tão elevada que ele se tornou a figura militar mais importante dos EUA, e Jeff criou uma IA capaz de distinguir fakes e policiar ofensas em segundos. Sopão, que tenta impressionar os amigos o tempo todo, tem apenas um app (ruim, mas rentável) de terapia, mas adora se juntar no brainstorming do trio quando eles começam a sonhar com miniaturizar humanos ou desligar 30% da energia no sudeste asiático só para distrair a imprensa.
Se esses exemplos soam exagerados, é porque são, mas Armstrong é mais do que capaz de equilibrar o mirabolante com o tangível. Esses homens não só jamais duvidam de sua capacidade, como possuem o dinheiro e a influência necessária para trazer algumas dessas teorias à realidade, e quando Venis começa a ficar desesperado vendo o caos que sua IA causou (e ainda mais desesperado quando nota que isso pode custar seu cargo), toda e qualquer possibilidade entra na mesa. Em questão de horas, a conversa chega a níveis de cogitar derrubar o presidente estadunidense e, por que não, incitar guerras para garantir a sobrevivência dos mais fortes. Para ser justo com Jeff, o menor dos males deste quadrangular mágico, ele quase sempre se opõe às propostas de Venis e Randall, que por conta de uma questão de saúde quer apostar tudo nas projeções pós-humanistas do colega. A saber: Venis acredita que será capaz de preservar uma mente humana na nuvem em coisa de 5 e 10 anos.
Tudo isso, porém, depende de Jeff – criticado pelos outros três como um “desacelerionista” tecnológico – topar vender sua IA supostamente infalível para que Venis aperfeiçoe sua plataforma, e o drama do filme existe exatamente na tensão entre estes dois amigos, e ocasionais rivais. O problema é que Armstrong encena o conflito como um derivado menos afiado de Succession. Mountainhead se passa apenas na casa de Sopão – um bufê completo para Schwartzmann, um ator que sempre acerta quando precisa viver o pateta cômico –, e consiste essencialmente de discussões infinitas, mas cada vez mais absurdas, sobre as mesmas coisas. Para sustentar essa repetitividade, porém, era preciso um grau melhor de texto, visual e atuação.
Os diálogos seguem sempre a mesma trajetória: uma crescente que é pontuada, aqui e ali, por tiradas rápidas e (não muito) engraçadas, e termina desabando num surto que só quem tem os dólares necessários para se convencer de sua própria inteligência pode ter. Nenhum deles, porém, é suficientemente afiado para deixar o filme ou genuinamente engraçado, ou genuinamente perturbador. Seria de grande ajuda, então, se o elenco – que conta com quatro nomes talentosos – elevasse o que está na página da mesma forma que uma Sarah Snook ou um Kieran Culkin fazia, mas nenhum dos quatro faz os personagens parecerem mais do que caricaturas (o que é beneficial no caso de Schwartzmann, o mais próximo de um alívio cômico em Mountainhead), mas danoso para o resto.
Fechando os problemas está a direção de Armstrong, que junto com a premissa (e a trilha derivativa de Nicholas Britell) é a melhor razão para as comparações com Succession. Aqui, ele parece emular o estilo cheio de zooms e ângulos que simulam câmeras escondidas desenvolvido e aperfeiçoado pelo grupo de diretores da série, liderado pelo bem mais talentoso Mark Mylod. Menos dinâmico como cineasta, Armstrong nunca cria o ritmo de vai-e-vem eletrizante que almeja, e acaba criando algo que parece, acidentalmente ou não, uma versão inferior de sua própria série.
Na verdade, quer porque a HBO queria algo “como Sucession” o mais rápido possível, ou quer porque Armstrong queria fazer um spinoff sem chamar de spinoff, essa é a sensação que permeia todo o filme. Se essa crítica soa comparativa demais, é porque Mountainhead convida os paralelos em praticamente tudo, e em todos se revela como o Sopão da relação. Da proposta a execução, da plataforma de streaming ao tema, Mountainhead simplesmente não consegue chegar em seu seu bilhão.
Fonte: Omelete