Cultura e Lazer

MISSA DO GALO – ESPECIAL ACADEMIA CAXAMBUENSE DE LETRAS

Maria do Carmo Rodrigues

Acadêmicos da Academia Caxambuense de Letras utilizando o famoso conto de Machado de Assis, que motivou contar a experiência pessoal de cada um, com alguma ficção, tem por fim desejar a todos nestes anos atribulados da pandemia um momento de leitura com o tema natal e alguma felicidade que, quem sabe, possa vir em breve.

A Missa do Galo 

Chegava dezembro e mudava, em casa, o tom da conversa.

Minha mãe nos falava do nascimento de Jesus numa manjedoura, em Jerusalém.

Como não tínhamos o hábito dos festejos natalinos, a conversa sempre era direcionada para os movimentos religiosos, oportunidade que ela aproveitava para a catequese familiar.

Muitas histórias e causos eram contados à noite, ao redor da mesa da cozinha sobre a referida data, até o dia da fazenda amanhecer em silêncio. Parecia que, até mesmo os animais, sabiam que era o dia que antecedia o nascimento de Jesus. Era 24 de dezembro!

Todas as tarefas seriam feitas e terminadas mais cedo para “aprontar” para a Missa do Galo que era, sem sombra de dúvidas, o evento mais significativo do ano.

Às dezesseis horas, já estávamos prontas com nossos vestidos de missa. Meu pai trajava calça cinza, camisa xadrez e chapéu, pronto a conduzir a charrete até à matriz do lugarejo. Chegávamos lá, descíamos para descansar na casa da minha irmã mais velha e saboreávamos um café reforçado com roscas açucaradas e bolo de laranja; inesquecíveis!

Minha mãe deixava transparecer na tez o jejum, mas acreditava estar cumprindo o seu papel.

Enquanto isso minha irmã montava a mesa para a tradicional ceia, que aconteceria após a missa. O cheiro daquelas travessas pairava no ar. Sempre tinha macarronada com aquelas azeitonas inteiras …

Saíamos da casa mais cedo para tomarmos os bancos da frente na matriz.

Outras famílias vinham chegando também e se acomodando uma a uma, respeitando o silêncio daquele lugar. Nós, crianças ainda, íamos pra frente da igreja para repararmos os trajes característicos das senhoras da época. Elas, as senhoras mais importantes da cidade, vinham chegando com seus vestidos de renda acompanhadas de seus maridos de ternos pretos segurando seus chapéus no peito. As moçoilas vinham com seus vestidos de laise e anáguas engomadas.

– Seriam elas a carregar o ofertório?

Voltava correndo pelo corredor central e me acomodava ao lado de minha mãe, enquanto a via colocar sobre a sua cabeça um lindo véu de renda que lhe cobria os cabelos anelados.

Iniciava a cantoria para a entrada dos fiéis que se apressavam para tomar os bancos e encher a igreja.

Era a hora da Missa do Galo!

O grande Presépio cintilava como estrela lá na frente do altar. A manjedoura …

Fervorosas orações subiam em ondas para o céu que eu imaginava ser a pintura do teto daquele santo lugar. Era lindo aquele céu…! Um céu azul, de Giotto!

O incenso exalava, e as primeiras notas do órgão que aquela maestrina tocava preenchiam todo aquele santuário.

O padre vestido de um branco neve ministrava aquela missa num ritual de obediência que transcendia. Por momentos dava para ouvir o toque das trombetas dos meus anjos guardiães.

Era a hora do ofertório!

Lá vem a moça bonita com seu vestido de laise e anáguas engomadas, carregando o Menino Jesus em seus braços!

Jesus nasceu!

Ele será colocado no presépio!

É a MISSA DO GALO, anunciando… é a chegada de Jesus!

Cantem, cantem, cantem todos com a missa!

Meu coração saltitava…

E assim foi feito!

Jesus foi colocado na manjedoura daquele presépio.

Eu vi!

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