Cultura e Lazer

COLUNA MUSICAL

Por: Aquiles Rique Reis - vocalista do MPB4

 

A dupla e o gênio

Do samba ao hip-hop, a música popular brasileira tem quem a represente. No boteco, a caixinha de fósforos marca o ritmo; as moedinhas, a porrinha. A cerveja mata a sede de anteontem. O torresmo põe-gosto; a “dolorosa” tira do sério; nos blocos o samba é tudo; na sexta o couro come; de madrugada as músicas nascem.

Até aqui divaguei. Agora me prenderei a um cara cuja cara tem a própria feição do carioca: Aldir Blanc. Ele é um carioca de todo o Rio de Janeiro. Suas letras representam o que há de melhor no linguajar, na picardia e na alegria de viver.

Perdoem-me o pessimismo, mas eu sinto que não há mais alegria no dia a dia do carioca. Também não é pra menos: pandemia, políticos ladrões, violência, tudo faz com que a melancolia pareça que veio para ficar. “Tristeza, por favor vá embora/ Minha alma que chora”, parecem cantar os cariocas em trens, ônibus e metrôs abarrotados.

Aldir Blanc tem o som das palavras na ponta da língua. Em parceria com alguns dos nossos melhores compositores, brotaram versos de profunda simplicidade, bem como rimas admiráveis e temas surpreendentes de um arguto cronista de personagens incomuns e de cenas inesperadas. Reconhecido o seu talento, inúmeros de seus contemporâneos se atiraram de cabeça em seu universo. Mergulhos que vão ao fundo do poço e voltam à tona ainda mais conscientes do que seja o mundo dos cariocas, do povo brasileiro e de Aldir Blanc.

Pois bem, hoje, uma dupla de alta rodagem voltou a se encontrar para reverenciar Aldir: o cantor Augusto Martins e o pianista Paulo Malaguti Pauleira. Juntos, eles reviveram a produção do letrista.

Abrir a tampa do CD Como Canções e Epidemias (Mills Records) com “Caça à Raposa” (João Bosco e Aldir Blanc) e fechá-la com “Altos e Baixos” (Sueli Costa e AB), música inédita com participação especial de Zé Renato, dá ideia do lance: catorze músicas por onde Augusto e Pauleira voaram altivos e, lá do alto, se comoveram, assim como aqui embaixo as lágrimas rolaram.

Com bons arranjos para cada música – seja ela pouco ou muito conhecida –, Pauleira expandiu sua capacidade criadora até o máximo de seu talento. Assumindo o DNA da contemporaneidade, as composições trazem em si a marca registrada de um grande músico.

Pauleira traz no piano, Augusto vai no gogó – sua voz tem o lastro de um grande cantor. A emissão das notas é saborosa, com jeito de fruta colhida no pé. As divisões de Augusto, exacerbadas por Pauleira, são de dar gosto. Que dupla!

Apesar dos negativistas, a dupla conquistou o direito de, vez por outra, prestar tributos a símbolos de nossa música. E nós de ouvi-los.

Ficha técnica:

Pandeiro de Augusto Martins em “Vale a Pena Ouvir de Novo” (Sombra e Aldir Blanc)

Gravado no Laranjeiras Records por Márcio Dornelles, entre outubro e novembro de 2020 – salvo “Altos e Baixos” (Sueli Costa e Aldir Blanc), gravado em 2005 no Toca da Raposa por Carlos Fuchs

Mixado e masterizado por Paulo Brandão no Brand Estúdio

Foto de capa: Augusto Martins

Sobre o Colunista: 

Aquiles Rique Reis, niteroiense, logo se dispôs à vida. No MPB4 desde 1965, foi como se tivesse nascido para sempre cantar e muito sentir as dores do mundo, que são também suas. Hoje, ele canta, e há quinze escreve sobre música, com isso se encontra e vive. 

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